Cap. 1. I O BAÚ

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Por que as rosas têm espinhos? pensou Abel, um jardineiro, engenheiro aposentado em mais um dia de trabalho. Para ele, esta ocupação nem era trabalho na verdade. Acostumado com as obras de engenharia nuclear com a qual lidava no passado, esta tarefa cotidiana estava mais para um hobby bem pago, isso sim. Aliás, este ano até iria fazer um bico de papai Noel em uma creche. O trabalho duro para desenvolver as características físicas do bom velhinho foram seguidos com muito esmero - se divertia.

"É loucura odiar todas as rosas porque uma te espetou." lembrou.

Sim, a cada dia aprendia mais sobre a vida e seus mistérios cuidando dos jardins e podando árvores do que lidando com as pessoas. Era um homem de poucas palavras. Tímido, mas sensível ao seu redor. Costumava dizer que tinha dois ouvidos e uma boca e isso era um sinal.

O trabalho com a Natureza trouxe uma nova ocupação para ele, mas também trouxe alguns bons amigos. Claire era uma delas. Uma senhora culta, viúva e elegante que contratou os serviços de Abel para cuidar do belo jardim da mansão que vivia com seu genro e neto.

Trabalhar naqueles jardins tão suntuosos era motivo de orgulho para qualquer pessoa naquela região. Todos conheciam o local só pelo nome: Mansão Le Breton. Pertenceu ao misterioso conde de Breton e suas futuras gerações colhem seus abundantes frutos até hoje.

Abel já estava quase terminando o serviço do dia quando lembrou que precisava de um pouco de terra para tentar ressuscitar uma orquídea de Dona Claire. O jeito foi cavar e retirar de um local próximo das roseiras e assim teria uma terra boa e fértil. Após algumas espetadas, mas sem muito esforço, logo algumas macetadas, sentiu sua pequena pá tilintar. Tinha algo duro e bem forte, fez o instrumento dar uma amassadinha na ponta.

Mais alguns tentativas e a curiosidade foi aumentando. Estranho é que sempre passou por estes caminhos e nunca podia adivinhar o que tinha escondido ali. O que era aquela caixinha? Estava muito suja de terra, mas era pequena e brilhante. Muito bonita. Certamente tinha muito valor, ou não estaria escondida ali, no jardim daquela mansão misteriosa.

- Bel aposto que se esqueceu de minha orquídea? Como está nas nuvens hoje! Você prometeu que hoje me ajudaria a transportar minha bebê para uma outro vaso! Vamos, que está ficando escuro aqui fora.

Bel, como era carinhosamente chamado por D. Claire corou. Nem tinha reparado no tempo que perdeu fascinado com o baú. Num impulso, cuidou logo de escondê-lo debaixo de um balde vazio. Não tinha noção da preciosidade que encontrava em suas posses, mas algo já lhe dizia para tomar cuidado, isso sim. Mal achara o objeto e já lhe transformara em uma pessoa misteriosa, fazendo-o se esconder de sua amiga, fato que lhe causou um grande estranhamento logo após se dar conta do que tinha feito.

- D. Claire, acabei de encontrar a melhor terra para sua bebê orquídea. Foi trabalhoso, mas aqui está. Me dê um vaso maior e veremos ela se esparramar e crescer forte. Não terá erro! Muito carinho e dedicação ela terá, certamente. Só tenha mais cuidado com a July, isso sim.

- Bel, já falei mil vezes para não me chamar de dona Claire e sim Claire, só Claire. Falando desta maneira, parece que sou muito mais velha que você. Cruzes! E trate de cuidar muito bem mesmo da minha bebê orquídea! Preciso dela no Natal. Será que até dezembro terei ela de volta em minha sala? Ela estava tão linda antes da July resolver se esfregar em suas frágeis hastes. Gatinha teimosa essa viu, deve ter feito isso por ciúmes! Sabe do meu xodó por essa plantinha. Bom, vou parar de falar e te deixar trabalhar. Quer um café? Vou pedir para a Maria preparar um para mim.

Satisfeita e com confiança em seu amigo, D. Claire deixou Abel continuar seu trabalho e pediu à governanta Maria que levasse um café especialmente a ele. O dia estava tão atarefado que saiu sem reparar muito no tom de mistério que rondava a face de seu amigo. Se fosse um outro dia, certamente reconheceria aquele olhar estranho.

- Nossa Sr Abel, você está vermelho. Parece um pimentão. Aconteceu alguma coisa? Reparou a governanta. - Toma aqui o café do jeitinho que o Sr. Gosta.

Abel disfarçou, agradeceu, tomou rapidamente o líquido amargo e borbulhante, fato que o deixou ainda mais corado. Por fim desvencilhou a mulher e voltou sua atenção ao baú misterioso. Desta vez o escondeu dentro de sua mochila. Precisaria de muito tempo e calma para investigá-lo melhor.

Deixou a bebê de sua amiga em um local seguro e, como de costume, sacou sua magrela. Uma bicicleta vermelha, bem velhinha mas que cumpria bem a sua função de levá-lo do trabalho para casa com mais rapidez e agilidade, às vezes até com um pouco de emoção, como gostava.

...

Estava cansado e com fome. Era um homem de hábitos e, todos os dias, cumpria-os religiosamente. Antes de subir para seu pequeno apartamento, passava na padaria do Sr Manoel e comprava algo para seu jantar, além de dois pães frescos e alguns doces que, de tão perfumados que eram, nunca conseguia resistir. Culpava aquele local por seus quilinhos a mais e seu "bico" no mês do Natal.

Por falar nisso lembrou que, justamente naquela noite, teria de passar na creche Bom Lar de Jesus para ensaiar a peça de Natal que faria para as lindas crianças que ali moravam. Teria de se apressar.

Chegando em sua casa, após terminar os afazeres primordiais para não dar nenhum motivo de desconfiança aos vizinhos de longa data. Entrou e desembrulhou o misterioso objeto.

Agora sim conseguiria dispensar toda a sua plena atenção a ele. Como era bonito!

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Foto by pexels

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Foto by pexels.com: David Bartus

O Baú de NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora