Relato de Nós Dois - Capítulo 1

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“Alguma coisa nele mexe comigo,

me prende, eu não sei o que é.”

No corredor da faculdade, eu estava na porta, aguardando um professor passar, quando quem passou foi ele. Ele que usava jeans, moletom, tênis e boné, tinha jeito  de criança marrenta e um ar misterioso que me intrigava. O professor chegou, tirei minhas dúvidas e entrei para a sala de aula. Faltando uns quinze minutos para a aula acabar, pedi para sair e fui ao banheiro. Na volta, lá estava ele de novo, parado no corredor. Senti que ele me consumiu com o olhar — foi como se eu tivesse passado em meio a um corredor com paredes pegando fogo, tamanho o calor que aquele olhar me causou. Foi aí que ouvi:

— Você é a Mel, não é? — perguntou Maurício, mais conhecido por Mau. Recusei-me a olhar para trás e rezei para que ele imaginasse que eu não havia ouvido, mas ele não desistiu.

— Eu sei que você é a Mel. Mel era uma menina doce, delicada, tinha 17 anos e acabara de entrar na faculdade de medicina; cabelos longos e castanhos, olhos e pele clara, chamava atenção por onde passava e sabia disso.

Apressei o passo, minha sala de aula era a última do corredor, e o som da voz dele ao dizer que sabia que eu era a Mel soou como ameaça. Quem é ele? O que ele quer? Como ele sabe meu nome? No intervalo, não saí da sala, por preguiça e um pouco de medo de ver ele novamente ali parado, como se estivesse somente esperando eu sair, aparecer. No dia seguinte, já havia esquecido e deixado um pouco de lado o fato que acontecera na noite anterior. Subi as escadas, atravessei o corredor sorrindo, com os cabelos balançando, e o barulho do salto a cada passo que eu dava anunciavam a minha chegada. A noite estava quente, usava shorts jeans, básica com colete e sandálias combinando. Lis, minha melhor amiga, me esperava dentro da sala. Contei a ela o que havia acontecido com Maurício, que tinha 19 anos, cursava odontologia e era aquele que por onde passava chamava atenção pelo olhar marcante, a pele macia e aquele ar de mistério envolvente. Lis contou que um menino com essas características havia perguntado de mim para ela. Primeiro fquei sem reação, mas depois a puxei pelo braço e procurei Mau, para ver se era ele mesmo quem havia falado com ela — sim, era ele. O medo tomou conta de mim, fquei imaginando a aula toda o que ele queria e não aguentei, sabia que o encontraria parado no corredor, me levantei e pedi para sair. Antes que a professora pudesse autorizar, bati a porta atrás de mim.Andei pelos corredores, desci até a cantina, fui para o lado do banheiro masculino, mas não havia ninguém, pelo menos ninguém que eu gostaria de ver. Decidi voltar para a aula, quando fui surpreendida, como sempre acontecia quando se tratava dele, por uma pergunta.

— Estava me procurando, Melissa?

Melissa era o meu nome, mas pouca gente sabia, pois eu usava Mel para tudo, inclusive para assinar provas e trabalhos na faculdade.

— O que você quer de mim?

— O que eu quero de você? Está se achando muito importante, Mel — respondeu ele com tom de arrogância e superioridade.

— Apenas imaginei que me procuraria. Aposto que sua amiga já contou que andei perguntando sobre você para ela.

— Sim, ela contou. Mas por quê? — perguntei.

— Você me interessa, Mel, faz o meu jeito — ele respondeu.

— Não estou interessada, desculpa — respondi, enquanto me virava e seguia em direção à escada. Estava intrigada demais para voltar para a aula, precisava sair dali antes que alguma coisa me levasse para ele de novo. Sim, ele também fazia o meu jeito, eu só não queria admitir isso em voz alta.O final de semana chegou. Eu estava ansiosa por uma festa que teria, estava precisando espairecer. Sábado à noite, Lis e eu nos arrumávamos enquanto ouvíamos uma música com um volume ensurdecedor e dançávamos como se ninguém estivesse vendo. Prontas, Lis usava um vestido preto com detalhes em renda que mostravam pele. A maquiagem e o cabelo estavam como sempre impecáveis. Eu vestia uma saia Missoni, camisa de seda e saltos que combinavam com a inseparável bolsa Louis Vuitton. Ao sair, ainda na garagem de casa, senti um friozinho na barriga, mas sabia que a noite tinha tudo para ser perfeita, afnal, era a comemoração dos dezoito anos da Amélia, uma colega da faculdade. Na fla VIP da Chatoun, uma casa noturna bem conceituada, encontramos nossos outros amigos, que também estavam ali para comemorar. Fazia uns quinze minutos que tínhamos chegado quando o avistei pouco à frente na mesma fla. Achei melhor não falar nada e não deixar que a sua presença estragasse a minha noite. Lis percebeu que algo me incomodava e perguntou o que estava acontecendo.

 — Preciso ir ao banheiro, estou apurada — respondi tentando cortar o assunto, mas Lis me conhecia como a palma da própria mão.

— Mel, eu sei que algo está te incomodando, se quiser sair daqui ou ir para algum outro lugar — disse ela, compreensiva...

— Lis, eu já disse, está tudo bem. Só preciso ir ao banheiro. 

— Vem, chegou nossa vez, vamos entrar — eu a interrompi. Entramos na festa, estava um pouco escuro, mas havia um globo coberto com pedaços de espelho com luzes coloridas que lutavam entre si para brilhar, uma mais que a outra. Lá dentro já estavam outros amigos. Cumprimentamos todos e começamos a dançar. Estava tocando house, meu estilo musical preferido. Fechei os olhos e dancei como se ainda estivesse em casa, me arrumando com Lis, sem me preocupar quem estava por perto olhando. Esqueci-me totalmente que tinha visto Mau na fla, e lá dentro não o vi em nenhum momento, mas no fundo eu gostaria de ver, de saber se ele tinha me visto, se também o incomodava saber que eu estava ali, tanto quanto me incomodou quando o vi. Cutuquei Lis, que dançava abraçada com Felipe, seu namorado há quase um ano, e fz sinal de que iria ao banheiro. Saí do camarote e atravessei a pista em direção ao banheiro feminino quando senti uma mão me puxando forte pelo braço. Era Maurício; e agora?

— Eu estava te observando no camarote e me perguntando quando você iria descer para que eu pudesse dizer o quanto você está linda — disse ele, sussurrando em meu ouvido.

Sorri educadamente, agradeci pelo elogio e tentei me virar para seguir ao banheiro, mas ele me segurou novamente e disse:

 — Posso te acompanhar?

Com dúvida se devia ou não seguir sozinha, fz que sim com a cabeça, com medo de que ele insistisse e não me deixasse seguir se dissesse não. Dessa vez eu realmente precisava ir ao banheiro. Mau me seguiu, aguardou do lado de fora quando entrei, e ao me ver sair segurou-me pela mão e me levou para um canto onde o volume da música era menor.

— O que você quer de mim? — perguntei novamente.

— Já te disse, tenho interesse em você — ele respondeu, tranquilo. — Gosto do seu jeito e de como você sabe que chama a atenção. Isso me intriga.

— Como é o seu nome? Quem é você? Quantos anos tem, o que faz? — perguntei, parecendo desesperada. — Essa perseguição de certa forma me assusta.

— Não precisa me interrogar nem fcar com medo. Meu nome é Maurício, tenho dezenove anos e estudo odontologia.

— Eu preciso voltar, Maurício, foi um prazer conhecê-lo, e obrigada por me acompanhar até o banheiro — falei com clareza, mas, no fundo, senti um aperto por estar saindo dali. Eu queria ficar, mas sabia que não deveria. 

Voltei ao camarote e continuei me divertindo com meus amigos. Por alguns pequenos e curtos momentos, eu esquecia o que tinha acontecido lá embaixo na pista. Não sei dizer o que acontecia. Eu já tinha namorado duas vezes e nunca havia me sentido atraída assim por nenhum outro menino. Aquele ar misterioso mexia comigo, me fazia sentir vontade de descobrir o que estava por trás daquele sorriso. Senti vontade de descer novamente e procurar por ele, mas Lis me fez voltar à realidade e perceber que o tempo havia passado. Enquanto eu estava envolvida em meus sentimentos e dúvidas, já eram quase cinco horas da manhã. Seguimos em direção ao caixa para pagar nossa conta e ir embora. Não vi mais Maurício. Já deitada em minha cama, continuava pensando em tudo o que aconteceu desde a primeira vez em que nos vimos. Adormeci.

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