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               O frio estava pior nesta noite. Ao menos havia conseguido outro casaco, esse era mais quentinho, e mais limpo. Sentia um pouco de sono e fome, mas era feriado, o senhor Yumaki não abriria sua lanchonete hoje. Tinha medo de ir muito longe, e acabar tombando com os caras da rua de baixo. Eles mexeriam comigo com certeza.
               Estava agachada no portão da lanchonete, perto do beco da fábrica. Era lá que passava a noite, escondida entre as máquinas velhas e enferrujadas. Usavam a fábrica para guardar mercadorias apenas, já que ela estava inativa. Penso que ninguém sabia que eu ficava ali, senão já teriam me chutado pra fora de lá, e consertado a porta dos fundos.
               Decidi ir até a esquina, quando começou a garoar. Não estava surpresa, pois estávamos no inverno. Os postes já estavam acesos, muitos carros na pista, e poucas pessoas nas calçadas. Todas que passavam perto de mim se afastavam. Eu não estava fedendo tanto, havia tomado banho ontem com a água da pia minúscula do banheiro da lanchonete. Talvez fossem meus cabelos assanhados e minha expressão doentia. Ou minhas roupas desajeitadas e velhas.
               Depois de começar a espirrar com a chegada de um belo resfriado, e de aparentemente terem se passado umas duas horas, volto para o beco. Decepcionada por não ter matado a fome com qualquer coisa, e por não me sentir aquecida o suficiente. Seria melhor dormir até amanhã, o sono ajudaria a esquecer a fome.
               As dobradiças enferrujadas do portão rangiram alto, como sempre. Eu odiava esse barulho. Fui em direção do quartinho, era um pequeno armário de mais metralhas, só que ninguém vinha nesse lado da fábrica. Eles usavam mais a zona maior, que é onde deixam e buscam cargas.
               O barulho de algo caindo me paralisa entre a porta do armário e o corredor por onde vim. Parecia ter vindo de longe, ao mesmo tempo que perto. Parecia uma ferramenta, ou uma barra de ferro. Fiquei parada por longos minutos, tentando ouvir mais alguma coisa. Se fosse alguma mercadoria indo ou vindo eu ouviria mais do que isso. Será que alguns daqueles drogados haviam invadido? Eles teriam me seguido? Se fosse isso, eu estava ferrada!
               Dei passos silenciosos para trás, entrando de vez no armário claustrofóbico. Fechei a porta e permaneci no escuro, calada e quase inerte. Meus cobertores e roupas estavam esticados no chão, que usava para me deitar, fui até eles e fiz uma bola de roupas nas mãos. Me escondi sentada atrás de uma mesa com uma bagunça em cima, e empurrei uma metralha de lixo como para fechar o pequeno espaço que estava. Se alguém entrasse na sala, não daria para me ver, assim calculei.
                Meus olhos pesaram quando tentei os abrir. Eu havia pegado no sono, e a lembrança do barulho que ouvi me alertou. Meus pescoço estava dolorido, tinha dormido sentada, encostada na parede. Minhas costas doíam, quando tentei me arrastar por debaixo da mesa. Olhando distraída para o que estava tentando fazer, demorei para perceber um par de botas bem na minha frente. Minha cabeça bateu na tábua da mesa, deixando algumas coisas que estava em cima dela caírem. Os pés com um par de botas se mexeram, vindo até mim. Eu quis gritar, mas me faltou coragem.

— O que quer comigo?! — consegui falar, antes de me mexer mais e acabar me machucando naquela bagunça de coisas velhas. A pouca luz que vinha de uma janela no topo da parede da sala me ajudou a notar também o par de pernas com uma calça preta justa. Meus olhos subiram mais e eu consegui ver mechas de cabelo loiro.

— Não vou machucar você — disse, uma voz linda e delicada, e feminina. Era uma garota? Eu quis saber, então me arrastei mais devagar ainda para sair de baixo da mesa. Ela tinha um rosto alvo, olhos azuis e um sorriso vermelho.

— O que quer comigo? — Voltei a perguntar, ainda mais curiosa. Ela devia ter a minha idade, parecia ser muito nova. Imaginava que ela poderia morar por aqui perto, e me viu passar. Deve ter me seguido até aqui. É a única coisa que consigo raciocinar.

— Por acaso — começou, me dando as costas e girando a cabeça, como se estivesse analisando a minúscula sala. —, você mora aqui?

— Você é parente do dono da fábrica, ou algo do tipo? — ela se virou para mim de novo, e seus cabelos lisos e longos deslizaram pelo os seus ombros.

— Não!

— Então não é da sua conta.

— Você tem uma língua afiada, e eu que pensei que você seria uma pobre e ingênua menininha! — ela zombou, com um riso fino. Meu peito inflou e minhas mãos ainda tremiam, e eu me pus de pé. Ela me olhou de cima a baixo e levantou seu queixo, guardando suas mãos nos bolsos de sua jaqueta preta. Eu devia estar sonhando, ou alucinando de febre pelo resfriado.

— Você vai dizer o que quer comigo?

— Você está melhor do que semana passada — ela disse, me fazendo enrugar a testa.

— Quem é você, garota? Tá me seguindo?

— Eu observo você. — ela retira uma das mãos do bolso, estica os dedos até uma prateleira velha ao seu lado, como se tivesse testanto a poeira. — Vim te buscar.

— Me buscar? — Que merda essa garota tava falando? Será que... Ela era alguém da minha família?

— Quer sair das ruas?

— Quem é você?

— Me chame de anjo da guarda — ela riu como se o que disse fosse uma piada. — Escolhemos você, agora esperamos que você nos escolha.

— Eu não entendendo, que merda você tá dizendo?

— Você tem a opção de vir comigo, e descobrir o que te aguarda. Ou de ficar e continuar nessa vida de merda que você se encontra.

— Você trabalha onde? Numa casa noturna? E veio me oferecer emprego? — sua expressão se fechou, e insinuar que a mesma fosse uma prostituta talvez tenha sido a causa. Permaneci inerte até ela suspirar e voltar a falar.

— Não. — Respondeu. — E só posso abrir a boca pra responder sua perguntas quando me disser 'sim'.

— Porque eu diria 'sim' para algo que não sei o que é?

— Eu já estive no seu lugar, até a morte é melhor do que isso. Então, a pergunta certa é: Porque você me diria 'não'? — a encarei de cima à baixo outra vez, tentando buscar o significado de “já estive no seu lugar”. Ela estava bem vestida, com roupas boas e cheirava bem. Seu cabelo era bem cuidado e sua rosto era uma figura quase que angelical.

— Qual é o seu nome? — ela suavizou sua expressão.

— Me dê um 'sim', e eu te responderei. — Mordi os lábios, tentando conter um palavrão na boca. Eu olhei de relance, por cima do ombro, para o amontoado de roupas e cobertas velhas no recanto. E olhei novamente para os olhos azuis inconvenientes.

— Se fizer algo de ruim comigo, eu acabo com você.

— Eu aceito sua condição — disse sorrindo.

— Então... sim. — Falei, dando de ombros.

— Me chamo Ino Yamanaka — sua mão se estendeu em minha direção.













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O preço à se pagar | SASUSAKUOnde histórias criam vida. Descubra agora