Amarras (Colaboração com @000vitor)

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Amara estendeu lentamente o braço e pegou o prato de sopa que seu filho Joaquin havia preparado.

Há semanas sua rotina era ficar deitada naquela cama de palha que era forrada por um lençol cheio de buracos. Como hoje ela parecia estar mais debilitada do que nunca, precisou da ajuda do filho para conseguir sentar e colocar o prato no colo. Por um momento, ela respirou fundo e acabou mirando seu rosto no reflexo distorcido e fosco que aparecia na sopa. Não demorou a surgirem memórias antigas de tempos onde a saúde ainda era boa, apesar de tudo.

Foi em um verão qualquer. Amara fora separada de todos que conhecia e mandada para uma outra casa muito distante.

Ela teve que ouvir que sua venda tinha sido bem cara se comparada com o padrão, mas que segundo o desgraçado a sua frente que a estava negociando, seria um bom investimento. Ela é uma escrava das boas, dizia o homem.

Na nova casa Amara se tornou cozinheira e lá trabalhou pesadamente durante vários anos. Até que há poucos dias foi expulsa pelos senhores, já que estava fraca e desmaiava frequentemente, tendo que encontrar um novo lugar para morar com seu filho.

- Não vai comer? - Joaquin perguntou.

- Vou tentar. Como será que eles estão?

- Os patrões?

- Sim.

- Não importa.

Um silêncio surgiu.

- Você achou? - Ela perguntou.

- O tal tesouro? Ainda não. Mas eu vou.

Joaquin nunca tinha visto esse tesouro, contudo sabia que Amara o tinha perdido dentro de uma caixa e o rapaz estava particularmente dedicado a encontrar porque a mãe insistira muito e queria trazer alguma felicidade para ela no que parecia ser seus últimos dias.

Ser escravo era difícil, quem ousava desobedecer sempre sangrava. Amara sabia disso, viu acontecer tantas vezes e era tão angustiante. Só lhe restou sufocar suas próprias vontades, deixar manipularem seus pensamentos e servir a todos como uma escrava dedicada.

- Você deveria ser grata porque acolhemos você nessa família. - Dizia sinhá Tereza. - Coloque-se no seu lugar, sua função é nos servir. O quanto antes aceitar isso será melhor. Ou será necessário mais algumas chicotadas?

- Eu sou muito grata, sinhá. - Mentia Amara nos primeiros anos para parecer convincente.

O tempo foi passando e nada mudava. Amara perdia as esperanças e aos poucos aceitava as mentiras de sinhá Tereza.

Meus pais eram escravos, eu também sou escrava e é o meu dever amar a família que me acolheu. É assim que tem que ser, tentava se convencer.

Amara foi bem cuidada pelo filho, mas não resistiu à doença. Durante os preparativos fúnebres, Joaquin acabou tropeçando em algo no guarda-roupas. Era a caixa do tesouro que a mãe havia descrevido.

Rapidamente o rapaz a abriu e quando viu o que tinha dentro ficou furioso. Infelizmente, Amara tinha finalmente se convencido. O tesouro era uma foto da família da sinhá.

- Maldita escravidão! Ela não acaba nem mesmo depois que já estamos livres. - Bravejou Joaquin ao rasgar a foto agora molhada de lágrimas que escorrem do seu rosto.

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⏰ Última atualização: Oct 18, 2021 ⏰

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