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Desde criança fui sempre muito elogiado por minha boa memória, e mesmo duvidando fortemente da mesma, às vezes ainda consigo lembrar da presença do meu avô e de seu aroma de cigarro, seu olhar distante e tristonho e suas poucas palavras. Ele até que tinha um certo senso de humor se considerado para um analfabeto funcional italiano de passado ardido, e se tem algo do qual eu tenho certeza sobre o velho é que seu amor pelos netos conseguia ser maior do que a distância daqui até a Calábria.

Mesmo depois de tanto tempo, sempre que me lembro da sua ida sinto que volto a ser aquele Hyeongjun criança engasgado com seus próprios prantos na missa de sétimo dia, já estamos no sétimo ano e nada realmente mudou. Nos deixam claro desde sempre que pessoas se vão, ainda mais pessoas idosas e com os pulmões já comprometidos há muito tempo, mas nós meros seres humanos nunca estamos realmente preparados para isso. Perder o ressoar de uma risada, a presença de alguém querido, perder uma vida. Vida essa que também temos e também deixaremos de ter um dia.

Sempre detestei o conceito de eternidade e vida após a morte assim como sempre detestei o conceito do simples fim. A ideia de nunca mais poder ver aqueles que eu amo e que foram embora me assusta, mas são tantas coisas que me assustam que sinto que minha alma já foi destroçada pela competição boba de ver quem assusta mais. Ser grato pelo tempo enquanto ele existe e focar nas memórias boas parece uma ótima opção na teoria, mas não deve funcionar muito bem quando você for quem estiver enterrado a sete palmos do chão.

Meu cérebro acredita que algumas pessoas merecem uma segunda chance. Aquelas que não puderam desfrutar de uma vida feliz ou que mesmo dando tudo de bom ao mundo acabaram afundados no próprio sofrimento, dor e caos. Parece injusto com elas que tudo se finalize desse jeito, mas também não sei se a ideia de reencarnação me agrada tanto assim. Talvez todos esses murmúrios pela minha cabeça não passem de um egoísmo descarado de querer que minhas pessoas fiquem comigo idependente de qualquer coisa.

Não é como se tivessem ido realmente para sempre, eu acredito em sonhos — talvez mais do que deveria —, não é possível que aquela visita noturna da garota de cabelos cor-de-rosa tenha sido só uma mera coincidência. Mas lidar com a perda na verdade é algo muito mais difícil do que simplesmente imaginar que alguém lá em cima está zelando por você sempre que nuvens de uma determinada cor aparecem no céu azulado (mesmo sendo essas cores diferenciadas fruto da poluição humana) ou ouvir músicas calmas que dizem que vai ficar tudo bem. Sejam dois ou sete dias, dois ou sete anos, eu nunca vou ser capaz de entender e aceitar certas coisas, e isso machuca de verdade.

Não gostaria que os motivos pelos qual escrevo agora se sentissem culpados pelo meu sofrimento, e com isso queria deixar claro que sigo minha vida normalmente sem permitir muito esse tipo de pensamento me tomar conta, se não já não aguentaria um segundo a mais sequer. No fundo aquele prédio meio-mal-assombrado ainda me causa arrepios e aquela casa verde assim como todo o caminho que eu fazia a pé até lá ainda me assombra sempre que passo por perto. Não sei dizer se cheiro de cigarro me trás memórias positivas ou negativas mas sei que poderia muito bem estinguir o tabaco da face da terra se isso fosse possível, mesmo que esse também seja o aroma que eu sinto quando sei que vovô está me protegendo de algum lugar.

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essa obra foi feita a princípio para ser publicada dia 17 de outubro, no aniversário de falecimento do meu avô, acabei passando do prazo e só tomei coragem para corrigir agora.

não queria deixar essa vibe pesada na véspera da véspera de natal mas acreditei que publicar agora ia ser melhor do que só depois das festas, além do mais tenho guardado no meu coração as lembranças do meu avô nessa época mágica, e achei que seria uma bela homenagem, mesmo que o texto seja muito mais sobre meus pensamentos e dores sobre o conceito da morte do que sobre ele em si (ele não é a única pessoa que perdi a ser mencionada no texto inclusive, e a outra por coincidência faleceu dois dias antes do aniversário de cinco anos de falecimento do meu avô).

espero que tenham gostado apesar de tudo, porque isso foi muito mais um desabafo do que qualquer outra coisa, e espero que não estrague as tardes quase natalinas de vocês.

obrigado por ler e desejo a todos um feliz natal adiantado!! ❤❤❤

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