Leia a história "Romance clichê" antes de ler essa.
Eu realmente não tenho mais coragem para me declarar fisicamente, então, terá que ser por carta. Desde o momento que olhei em seus olhos, vi o espelho da alma mais pura que já conheci. Os dias se passavam, e eu ficava ainda mais animado para te ver... Obviamente, nenhuma criança entende o que é paixão, mas boa parte delas cresce, e quando cresci notei a diferença entre uma simples amizade infantil, para o que sentia... Você foi minha primeira paixão, mas, mesmo assim, você me viu como um irmão por todo esse tempo...
Lembro de todos os dias que te disse todo o amor que sentia, mas seus ovos e orelhas só entendiam como a proteção de um familiar, enquanto eu realmente queria algo além disso. Sabe, eu tenho um pouco de consciência ainda, entendo que não é sua culpa, da mesma forma que a pessoa que fez as opções erradas aqui foi eu mesmo... Também, entendo que te entregar isso apenas deixaria as coisas ainda piores, pode causar uma depressão em você, tristeza profunda, mas eu preciso explicar as motivações, não é?
O dia que se envolveu com Hugo foi o pior de minha vida. Ver você, beijando outro, destruiu minha alma... Creio que já não vivo direito desde lá, tínhamos dezesseis anos, jovens ainda, mas aguentei até que bem, fingi estar tudo bem por épocas, mas quando minhas bochechas afundaram, olheiras se tornaram mais aparentes, fiquei mais difícil de aparecer ou conversar... As pessoas já notaram que tinha algo de errado. Nunca cheguei a te contar isso, mas meus pais levaram-me num psiquiatra e psicólogo logo após me encontrarem na cozinha, preparando um coquetel de remédios para forçar minha morte, essa foi a primeira e última tentativa... Tinha dezoito. É, dois anos se passaram, e a dor ficou aqui. Eu agradeço tanto você, como o próprio Hugo, que começou a cuidar bem de mim após isso tudo, vocês prolongaram bastante minha vida, e sei que pareceu estar bem, mas... Só aumentou a tortura.
O que eu sentia? Dia após dia, deitava a cabeça sofre o travesseiro, mas tudo que sentia era o vazio. Olhava o teto, minha respiração se tornava mais fenda, e o corpo todo começava tremer. Me encolhia, chorava, e á única coisa que me acalmava era forçar um sono por meio de remédios, graças a isso, acabei me viciando em os tomar, por mais que foram ficando mais fracos conforme me acostumava. Cheguei a berrar alto, espernear, chorar até os olhos arderem... Mas claro, fazia questão de isolar o som, não queria incomodar ninguém. Quando acordava, o dia costumava passar como se o tempo congelasse... Cada segundo era uma agulhada na minha carne, não tinha mais animação para levantar, andar, estudar... Minha notas caiam, e na minha cabeça só passava coisas como "Você a perdeu. É um inútil. Não foi o suficiente para ela. Por que não tem piedade de si próprio e desiste de tudo, diminui logo essa dor?". Bem, obviamente, fui parando para entender... O amor que eu tinha por você se tornou uma obsessão, uma doença. Te tratava como um objeto mental, queria você para que ninguém mais tivesse, por mais que para isso devesse arrancar sua liberdade... Agora entendo que as vezes que te fiz chorar, diminuindo sua autoestima em pontos específicos da história, quase ter levado ao término de sua relação repetidas vezes, tudo isso foi podre. Aquilo ali já não era eu... Mas agora, só restou a melancolia, a época de ódio se foi. Sempre fui contra o egoísmo, não queria fazer o melhor pra mim porque pensei na tristeza de vocês, ao mesmo tempo que era hipócrita ao ponto de preferir sua infelicidade ao meu lado do que passar mais um dia nesse desgosto... A questão é; o que isso ia resolver? Ter você ia me curar automaticamente? Não, creio que seria tóxico e ciumento demais, até hoje me sinto mal só de te ver com outro, então... Eu mesmo me destruí com o tempo, a culpa é minha.
Olha, é engraçado... Se eu falasse que não estou com medo, estaria mentindo. Nesse exato momento, meu rosto está horrendo por causa das caretas de choro, minha pressão baixíssima, até sinto como se meu coração não tivesse aqui... Meus dedos e pés começam a ficar dormentes, escrever a carta a mão já está ficando mais complicado do que deveria, impedir que o papel se molhe também é um trabalho difícil. Mesmo ficando descrente por muito tempo, eu ainda tenho medo do inferno, e na Bíblia diz que se eu o fizer, não tenho outro caminho, vou direto pra lá... Mas viver desse jeito já está sendo um. O tratamento pode sim ser efeitivo, talvez, daqui a cinco anos eu já estarei bom, andando feliz, conhecendo pessoas, me apaixonando... Mas hoje, nesse dia, nesse momento, eu estou um caco. Não sirvo para você, não sirvo para ninguém daqui, e mais importante que tudo isso, eu não sirvo pra mim mesmo. Demorou muito tempo pra que entendesse isso, que o importante era a minha existência, se eu estou feliz com isso, mas não é o caso, e já está tarde demais. Estou com sono, quero descansar, e acho que já escrevi o bastante... Eu sei que no futuro, tudo pode sim se consertar, mas eu não aguento nenhum dia a mais. Cheguei ao meu limite. Respirar está difícil, e eu só quero dormir bem pelo menos uma vez em todos esses anos, então, estou me preparando para o melhor sono que já tive...
"Espero um dia ter seu perdão, mas eu vou ver o que tem do outro lado primeiro".
- Escrita presente numa carta dentro de um diário infantil com fotos, escritas e desenhos de duas crianças, algo que ambas fizeram. Tudo isso fôra pego ao lado do cadáver de um jovem, que na madrugada de um sábado, cometeu suicídio ao saltar de um prédio. Estas são suas últimas palavras deixadas para o mundo. Enterro de Analdo Carlos Silva fôra feito dias depois, com muito pesar de seus amigos e familiares, agora seu corpo, que está desfigurado pelo impacto no solo, descansa em paz, em um sono infinito.
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"One Shot"|Romance clichê.
Romanceé uma história curta só para mostrar um conceito. É um romance clichê, mas é só isso?