Há momentos do luto que você não controla os próprios pensamentos, a sua própria vida. É como viver no automático, onde você não consegue prestar atenção em nada ao seu redor. Mas há outros momentos, que você se perde no meio de tanta informação e não sabe nem onde focar a sua atenção.
Eu estava nesse segundo momento e percebi isso assim que o carro chamativo do doutor Diaz estacionou na porta da clínica. Eu comecei a olhar cada pequeno detalhe daquele lugar, como se fosse necessário memorizar. Racionalmente eu sabia que estava apenas perdido na dor, mas a parte emocional me controlava, então eu simplesmente me deixei levar pela situação.
Conheci a clínica no meu primeiro ano de acadêmico, mas nunca pensei que conseguiria trabalhar aqui. Era comum os meus colegas e até mesmo eu, idealizar o emprego perfeito. Algo como: ter dinheiro para montar um consultório particular e clinicar, ser aprovado em um concurso público na área, ou conseguir trabalhar para o doutor Diaz. Desses três rumos após o término do curso de psicologia, o último era o mais complexo.
O prédio antigo, com a pintura detalhadamente branca e diversas árvores ao redor, foi construído no século passado. Era um imóvel cedido pela Prefeitura para ser o núcleo do Programa Cuidar Cuiabano. A parceria público e privado possibilitava também o atendimento ao público carente.
— Doutor Marcos, prefere entrar e iniciar o seu estágio ou ficar aqui babando na porta da minha clínica? — Doutor Diaz resmungou, assim que conseguiu trancar o carro que estava com algum problema na porta do carona.
Eu o segui clínica adentro em absoluto silêncio. Já conhecia esse lugar, mas agora era diferente, eu sabia que tinha conseguido uma oportunidade de ouro, só não sabia se daria conta de realizar esse trabalho. Eu não consegui ajudar nem a mãe do meu filho, com a nossa dor, não seria capaz de ajudar mais ninguém.
Estava dividido entre os pensamentos mais obscuros e depressivos, e a fascinação por esse lugar. No térreo se concentrava algumas salas de estudo, de terapia, meditação, atendimento médico e ambulatorial, bem como o refeitório. No andar superior ficava os dormitórios dos pacientes internados.
— Você já conhece a clínica, então eu vou apresentar a equipe multidisciplinar que estará no seu turno e vou te encaminhar no RH para fazer o seu contrato e entregar os formulários do funcionamento. — Doutor Diaz estava alguns passos á minha frente. Ele parou subitamente, como se lembrasse de um detalhe.
Virou para me encarar por um tempo e resolveu dizer em forma de sussurro:
— Doutor Marcos, sabe que aqui na clínica atendemos pacientes particulares, com mensalidades fixas, mas também fazemos o atendimento ao público carente através de uma entrevista direcionada. Contudo, antes de apresentar a equipe, quero informá-lo que a filosofia desenvolvida na criação da clínica, é baseada no atendimento de qualidade, sem importar com a situação financeira do paciente. Dessa forma, eu não informo à equipe quais pacientes são pagantes e quais estão aqui pela caridade. Pois quero que todos sejam atendidos da mesma forma, sem nenhum preconceito. Porém, você fará parte dessa entrevista, então assinará um termo de confidencialidade comigo, para não relatar aos colegas sobre a vida particular dos nossos pacientes. Compreende a situação?
Balancei a cabeça afirmando que sim. Isso era incrível, me deixou sem palavras.
Doutor Diaz parecia apressado, ele percebeu que eu precisava quase correr para conseguir acompanhá-lo.
— Preciso ir para uma seção daqui vinte minutos, senão eu corro o risco de me atrasar. — Ele justificou.
— Pensei que todas as salas de terapias eram aqui no primeiro andar.
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2. Ferida Incurável
Random"Como psicólogo, estudei diversas abordagens para ajudar meus pacientes, sempre consciente de que não existe uma fórmula mágica ou uma receita pronta. Cada indivíduo é único e merece um tratamento personalizado. No entanto, um dia a vida me colocou...