A S O M B R A
Em meu sonho, André sorria e gargalhava enquanto cantávamos we are the Champions do Queen em karaokê. Estávamos em um bar que costumávamos ir quando mais novos e essa música sempre esteve muito presente em nossas vidas, era uma das suas favoritas. O que fez uma angústia crescente brotar em meu eu do sonho e quando acordei, ela aumentou tanto a ponto de me fazer derramar lágrimas e ficar vegetando pelo resto do dia.
A culpa me corroendo e arrastando para um poço de auto depreciação, dor e lamentos. Eu me perguntava constantemente se era assim com os familiares de pessoas que cometiam suicídio ou eu era uma exceção?
André e eu éramos gêmeos e viemos para a capital do estado quando passamos no vestibular, costumavamos morar juntos, mas decidimos mudar há pelos menos oito anos, na mesma época em que consegui escrever minha primeira novela e ele engatou um relacionamento sério com Breno. Meu irmão podia ser facilmente taxado de gêmeo bom, pois de nós dois ele era o mais engraçado, o mais simpático, o que conquistava a todos com sorrisos e sua personalidade cativante. Também era o que mais tinha amigos e o mais próximo de nossa mãe. Mas não foi seu noivo que o achou morto na banheira, também não foi um de seus muitos amigos, muito menos nossa mãe. Fui eu.
Eu que o encontrei com dois cortes profundos em cada pulso, dentro da banheira. O sangue ainda jorrava, agora de forma suave. A água se confundia com o líquido vermelho e o cheiro ferroso se espalhava por todo o cômodo. Não sei o que foi pior, vê-lo daquela maneira ou avisar nossa mãe do ocorrido.
Depois começou o martírio coletivo. Breno e eu éramos assolados pela culpa de não perceber que algo não estava bem. Mas não era exclusividade nossa. Mamãe disse que André ligara durante aquela manhã para saber como as coisas estavam, seu noivo contou que meu irmão pedira para comprar uma pizza vegana, que só vendia do outro lado da cidade, um lugar que não entregava. Então, concluí que sua ligação, de minutos atrás, era pelo simples fato de que ele queria que eu o encontrasse daquela maneira.
O luto tomou a todos, mas principalmente a mim. Eu sentia na carne a dor de uma saudade que não passaria logo. A certeza de que tinha falhado como irmão e principalmente a culpa por não ter ouvido sua súplica muda.
Meu estado de vegetação começou quando cheguei de seu enterro e esse estado durou dias, até eu ter aquele sonho. Depois me convenci de que André não gostaria de minha atitude.
Peguei meu computador e sentei no sofá da sala pronto para escrever os últimos capítulos de uma nova trama para a TV. Eu tinha até o fim do mês para entregar à emissora. Porém depois de quase duas horas, eu continuava a encarar a tela vazia e triste, uma cópia quase fiel de como estava me sentindo.
Desisti e fui tomar um banho merecido, mesmo que não estivesse tão disposto para tal. Voltei para o quarto e deitei na cama, esperando o sono que não chegou. Levantei e fui de volta para o banheiro, onde ingeri dois comprimidos de um antialérgico, sabendo que eles me fariam dormir.
Durante a madrugada, despertei com um som alto e ainda meio tonto de sono, saí pela porta do quarto e do corredor consegui ver as luzes projetadas pela televisão. Franzi o cenho em confusão, pois não lembrava de ter ligado o aparelho naquele dia. Antes de chegar a sala, pensei ter visto uma sombra humana no fim do corredor, mas foi só por um instante, já que assim que pisquei não estava mais.
A imagem do televisor estava pausada no rosto de um ator de uma série qualquer com a legenda " consegue me ver?" Era só. Não tinha mais nada fora do lugar, por isso apenas desliguei o eletrodoméstico e voltei para meu quarto.
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Era uma vez na Deep Web
Horror[EM REVISÃO] Um grupo de apoio em uma parte profunda da internet. Pessoas que já tentaram suicídio se encontram em um fórum privado, para compartilhar experiências traumáticas. Uma coletânea de contos macabros e bizarros, narradas por vítimas de ps...