Ela o esperava na biblioteca da escola, como haviam combinado. Há quanto tempo já estava ali? Dez minutos? Meia-hora? Uma eternidade. Mas ele dissera que viria. Ela teria que ser paciente e, enquanto o esperava, ia adiantando a sua parte no trabalho de literatura. Era uma tarde fria, mesmo ali dentro. Ela esperava, mas não sabia o porquê de tanta ansiedade, assim como daquela vez que ela o esperara para almoçarem juntos no restaurante perto da escola. Sentara em frente à janela, para tentar ver quando ele chegasse ao restaurante, mas esta não dava uma boa visão da rua, pelo menos não do caminho que ele percorreria. Ela começava a desacreditar que viria, quando ele apareceu, com o prato pronto já na mão, e sentou-se defronte a ela. Ela teve que conter a alegria. Mas como era bom ter uma companhia no almoço para variar! Ainda mais a dele...
E hoje, novamente, ela se encontrava sentada a uma mesa, desta vez, de frente para a entrada da biblioteca, para ver quando ele chegasse. Oh, bendito trabalho de literatura! Um motivo! Um ótimo motivo para passar a tarde com ele e conversar. Sobre qualquer coisa, enquanto se finge que se está fazendo o trabalho. Ela ficara tão feliz em saber que não passaria mais uma tarde de quarta-feira sozinha estudando e sim em companhia dele! E mais feliz ainda pelo fato de que ele também queria ficar com ela, fazendo um trabalho de escola, em vez de ficar em casa fazendo qualquer outra coisa. Ou seja: ele prezava a companhia dela assim como ela, a dele! Ela estava nas nuvens.
Mas por que a demora então? Será que ele não pôde vir afinal de contas?
Porém, ao levantar os olhos, lá está ele, vindo em sua direção. Ele chega cordial. Ela, tímida, tenta esconder sua felicidade tola por ele simplesmente estar ali. Ela lhe diz que ele precisa pegar um dicionário nas estantes, e ele vai, deixando a ela alguns segundos para se recompor.
Quando ele volta, senta-se ao lado dela, e começam a fazer o trabalho: ela com um dicionário enorme no colo, caçando os significados ocultos das palavras eruditas no conto de Guimarães Rosa, ele abrindo o fichário para as anotações dos arcaísmos presentes no mesmo conto. Conversas brandas, intercaladas com comentários sobre o trabalho, vão descontraindo os dois. Procurar palavras em dicionários sempre abre brecha para se encontrar muitas outras engraçadas, e os dois vão comentando o que encontram de interessante.
Um momento de silêncio.
Ela está inclinada sobre o pesado dicionário, quando o rosto dele aparece na sua frente perguntando:
- Posso te roubar uma coisa?
Mas que pergunta mais estranha! A que ele está se referindo? Será que ele precisa de uma folha de caderno ou algo assim?
Meio receosa, e ainda meio confusa, ela responde um patético "sim", sem nem se atrever a perguntar o quê.
Ele, então, aproxima o rosto do dela lentamente, olhos fechados, e ela só consegue entender que isso está realmente acontecendo, durante o beijo. Um selinho doce, tímido, e inacreditavelmente real. E a prova definitiva de que ele também gostava dela como ela gostava dele.
Ela ainda está desnorteada. Mas quando ele a convida a pegar de volta o que ele lhe roubara, ela aceita.
Nenhum dos dois conseguiu mais pensar em trabalho de escola naquela tarde.

VOCÊ ESTÁ LENDO
A Descoberta
ContoNa biblioteca do colégio, uma estudante de ensino médio aguarda ansiosamente o colega de quem ela gosta chegar para fazerem o trabalho escolar juntos.