O Grande Pecador

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Para Vinícius Cabral Ribeiro, por ter-me confiado sua primeira confissão.


Ele tinha oito irmãos. Era o caçula, oito anos. A mãe não tinha tempo para ele, pensava. Os irmãos mais velhos foram quem a curtiram. Mas ela ainda haveria de olhar para ele! Deu início ao plano na escola, de "aluno nota dez" a "bad boy de plantão" em menos de um mês. Os recreios eram verdadeiros ringues. Nas incontáveis reuniões "extraordinárias" dos pais, estes odiavam a mãe do indomável rebelde; os filhos adquiriam cicatrizes horríveis, notadamente as psicológicas. Mesmo a tristeza contínua no olhar da mãe não foi suficiente para estancar sua chaga. Afinal, ele, sim, era a verdadeira vítima!

Em casa, com os irmãos, a tática foi outra. Contentava-se em provocar uma turbulência qualquer e colocar a culpa neles, cada semana em um. Era bom nisso, nunca o pegaram em flagrante. As peraltices? Desde atos mais brandos, como subtrair um objeto de estimação da mãe e camuflá-lo entre os pertences de um deles, até a troca de biscoitos isentos de glúten por comuns: um dos irmãos, o preferido da mãe, era alérgico, quase morreu.

O clima em casa evoluía do purgatório ao inferno. Completados dez anos de idade, percebeu que realmente chamara a atenção da mãe, era bom nisso. Mas a que custo? Praticamente todos os irmãos não se falavam mais. Mas também não admitia contar a verdade; certamente, não iriam perdoá-lo, nem mesmo a sua mãe. E, afinal de contas, ele era a principal vítima! 

Nunca foi de rezar; mesmo assim tentou falar com Deus. Ele não respondeu, claro, não ia querer falar com um menino, assim, tão mau quanto ele. Chegou até a ficar de joelhos no milho e se machucar, mas não se sentiu aliviado. A cruz era muito mais pesada do que simples gotas de sangue sobre pequenos caroços amarelos no chão.

E veio, enfim, a Primeira Comunhão! Deus, agora sim, teria de ouvi-lo! A mãe não entendeu, principalmente a obsessão pela parte mais incômoda do ritual: a confissão.

– Padre, eu pequei.

– Mas todos pecamos, meu filho!

– Não, padre, o senhor não entendeu. Sou um pecador de verdade. Deus não vai nem poder me perdoar.

– Minha nossa! Então, a coisa deve ser séria mesmo!

– Eu falei pro senhor!

– Mas Deus é muito bondoso, meu filho. Perdoa até os piores pecadores.

– Até eu?

– Até você.

E o menino confessou todos os seus pecados! O padre não conseguiu esconder a surpresa, estarrecido principalmente pelos relatos mais recentes, e preocupou-se com os conflitos da ovelha desgarrada, ainda em formação. A redenção teria que ser feita, então, de forma delicada, sutil, sem deixar de ser, contudo, contundente. Uma penitência mais poética, talvez, fosse a solução.

– Pois bem, meu filho. Diante de relatos tão graves...

– Quantos pais-nossos e quantas ave-marias, padre? – interrompeu o menino, deveras ansioso.

– Rezar apenas não vai adiantar muito – disse, bem sério e pensativo. 

– Me espere aqui, eu já volto.

E voltou. Com um livro embrulhado nas mãos. Ainda sem saber do que se tratava, o pequeno pecador se preocupou.

– Vou ter de ler a Bíblia inteira também? 

O sacerdote não conteve um breve riso, mas consertou a expressão a tempo.

– Não, meu filho. Este livro é infinitamente mais fino que a Bíblia, porém tão importante quanto.

Entregou o livro ao menino que continuava ajoelhado e que nem sabia direito como segurar algo tão valioso, a sua salvação!

– Eu te perdoo, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. Vá com Deus e que o Senhor o acompanhe!

E a ovelha foi como se carregasse a própria sorte. Decerto, carregava mesmo, pois aquele livro mudara a vida do próprio pároco na mesma idade do menino. Já lá fora, curiosidade aos gritos, parou e desembrulhou a penitência. Ao ver a capa do livro, olhou, primeiro, a ilustração: um rapazinho loiro com uma roupa verde-claro e um lenço comprido amarrado no pescoço. Sorriu para o rapazinho, como que sorrisse para si mesmo, como se tivesse se encontrado depois de muito procurar. Depois, leu o título: O Pequeno Príncipe. Sorriu novamente e tornou a caminhar com a certeza de que tudo mudaria a partir dali.

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