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Naquela noite, eu lembro de minha alma quase ter saído do corpo. Mas também, não é todo dia que um sujeito  vestido de preto dos pés até o capuz do moletom — pois seus fios naquela época eram rosados — aparece saindo do completo nada logo após você pular a cerca da sua casa pra deixar a mochila no jardim e depois, despretensiosamente, ir pegar um ar lá fora.

Você me perguntou se eu tinha fogo, e eu demorei um pouco até entender a exata conotação dessa pergunta, mas no final eu acho que deveria ter corrido pra muito longe assim que ouvi sua voz. Quando eu emprestei aquele isqueiro, não sabia que ele seria para acender um cigarro, e se soubesse nunca haveria cedido. Você não parecia estar muito bem, e por mais que eu estivesse morto de cansado após chegar da faculdade, insisti em acompanhar um completo desconhecido em uma volta pelo bairro apenas para garantir que você não fosse cair morto em alguma calçada por minha culpa. Seu carro não estava muito longe dali e eu descobri que você havia acabado de se mudar e estava em um local completamente desconhecido, porém por uma obra de inteligência, você deixou as chaves trancadas dentro do dele. Aquele poderia ter sido um belo passeio de carro.

Sua companhia foi agradável, por mais que o cheiro marcante de seu perfume e a fumaça do cigarro me incomodasse bastante, o vento as vezes não me odiava. Meus pais estariam dormindo a essa hora da noite, achavam que eu estava na casa de algum amigo estudando para as provas do dia seguinte, quando na verdade eu estava perambulando pelo bairro com um jovem aparentemente exausto e que já estava em seu sétimo cigarro. Às 23:00, eles me ligaram pra saber se estava tudo bem, se eu estava com Jungwon da mesma forma que havia combinado naquela manhã, e eu poderia muito bem voltar pra casa e dizer que Jungwon estava ocupado naquela noite  — o que era uma grande possibilidade pois eu havia esquecido completamente de lhe avisar que surgiu um "imprevisto" e então eu não poderia ir até a casa dele — , porém observar os olhos gatunos e calmos do menino que quase havia me causando um infarto mais cedo parecia uma atividade muito mais interessante.

Então eu menti. Menti dizendo que Jungwon havia pegado no sono e que eu estava revisando matérias, menti quando disse que estava na casa dos Yang, menti quando disse que já estava indo dormir, e tudo isso sob o olhar sereno e o sorriso ladino nos lábios que haviam acabado de tragar aquele cigarro já em seu final do garoto sentado ao meu lado no meio-fio da calçada, garoto esse que mais tarde descobri se chamar Riki.

Eu gostaria muito de me arrepender dessa parte e de tudo o que aconteceu depois, mas eu estaria sendo desonesto. Eu havia mentido para os meus pais pela primeira vez.

Você me fez mentir, Nishimura Riki. Como eu nunca havia feito antes.

E tudo por causa da forma como me olhou naquela hora, antes de apagar seu último cigarro e sugerir que voltássemos a andar.

strawberries and cigarettes | sjy+nrkOnde histórias criam vida. Descubra agora