A Morte pede carona

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Nunca pensei como morrer, nem como perder alguém. Mesmo sem imaginar já sentia que seria assim. Acordei as 6h da manhã com gritos e barulho de louças se quebrando.
-O que está acontecendo? Quem está ai?
Quanto mais eu me aproximava eu ouvia barulhos fortes, gemidos e parecia que alguém estava com falta de ar.
-Mamãe? Meu Deus alguém me ajude!
Ver minha mãe jogada no chão, cheia de sangue, sentindo falta de ar, com vários pratos quebrados ao redor.
-O que houve aqui?
-Seu pai, be-be-u de n-ovo. -Ela soletrava cada letra, eu via a dor em seus olhos.
-Fica ai mamãe, vou ligar pra emergência!
Eu não imaginava o que fazer, o que falar. Nunca fui muito chegada a minha mãe, muito menos ao meu pai. Na nossa família ao invés de filhos não valorizarem pais, pais que não valorizavam filhos, eu, no caso. Meus pais. Acho que ela só pensava ali que iria morrer, então com certeza a dor e o arrependimento dominavam o seu ser.
-A ambulância está a caminho mamãe.
-Venha mais pra perto de mim filha, deixa eu te contar uma coisa.
-O que houve mãe?
-Na última gaveta do meu armário do lado da cama tem um fundo falso, lá tem 145 mil reais. Vá embora dessa casa, fuja! Faça um caminho diferente! Você é linda e vai descobrir seu dom!
-Por que as pessoas só dão valor quando estão assim? Perdendo?!
Ela tossiu e fechou os olhos.
-Eu te amo mamãe, você é, foi e sempre será minha inspiração!
Ela abriu os olhos e disse:
-Tem mais uma coisa filha. Francisco não é seu pai, ele é homem estéril! Você é fruto de uma inseminação!
-Como assim?
-Filha...? -ela falava em tom baixo e rouco.
-Não mamãe fica comigo mamãe. Não me deixe agora! Deus! Seu lixo você não existe?! Então salva a minha mãe!
-Não culpe Deus por nossos pecados. Existe o livre Arbítrio.
-Mamãe, quem é Lua?
-LUA!? -ela arregalou o olho de tal maneira que não fechou mais.
-NÃO VAI MAMÃE NÃÃÃÃÃÃÃO! POR QUE DEUS?
Ouvi um barulho na porta e o medo de ser meu pai dominou meu corpo.
-Quem está ai?
-Polícia CHC.
Fui até a porta abrir, com eles estavam a ambulância e alguns vizinhos pela rua.
-Entrem.
-Os médicos sentiram o pulso e tentaram reanimar ela e até então saiu da boca de um deles em alto e bom som:
-Bronquite Asmática e hemorragia, dada como morta às 6h36min.
Senti minhas pernas bambearem, meu corpo gelar até tudo se apagar.
Na minha cabeça só existiam fleches da infância e a imagem dela.
-Ai meu Deus!
-Que?
-Me desculpe... Meu nome é Carlos, na verdade enfermeiro Carlos.
-O que eu to fazendo aqui?
-Você é a Madson?
-Por que não responde minha perguntas?
-Você desmaiou. Ai os paramédicos te trouxeram para cá.
-Quando eu saio?
-Tá com fome?
-RESPONDE A MINHA PERGUNTA!
-Desculpa, é meu primeiro dia...
-Tudo bem.
-Como está se sentindo?
-Melhor.
-Pode embora já.
-É melhor chamar um médico experiente.
-Ok.
Rimos.

Brincando com Cacos de VidroOnde histórias criam vida. Descubra agora