NÃO ME CABEM

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Não me cabem as vestes de escritor. Sempre que magico em vesti-las, fico aquém de quem realmente é. Pudicamente, a vida só penetra em mim nas entranhas de maneira incisiva, como se eu fosse uma prostituta que nada refuta e aceita as coisas nojentas que é submetida pelos seus clientes. Ser cuspida na cara, por exemplo. Eu só tenho mais experiências que os demais, vivi mais do que os demais, sofri mais do que os demais, sofro com resignação mais que os demais e mesmo assim tenho mais vida que os demais. Eu quero acreditar que não gosto de escrever, que não possuo destrezas suficientes que me qualifiquem como um escritor e que essa cruz me é pesada como a mãe que vive embriagada por ter um marido infiel e que com ele tem nove filhos. Eu quero acreditar que essa cruz é-me pesada como a âncora submersa no mar. Eu quero acreditar que essa cruz me é pesada como lutar com o meu pai e dizer-lhe coisas dignas de pudor hoje e durante a madrugada ter um fardo, na manhã decidir pedir desculpas, mas essa desculpa não será aceite porque durante a madrugada meu pai morre. Quero acreditar que essa cruz me é pesada como suportar o peso na consciência de ser uma musa virgem e puritana, porém ser violada na quinta à noite pelos supostos amigos. Acreditar que a cruz pela qual fui predestinado é pesada como um rapaz estar cônscio que foi jogado no lixo pela mãe e só aos 16 anos tomar consciência e decidir procurar ela para saber o porquê. Acreditar que me é pesada como um corpo morto. Que me é pesada como ter um filho completamente impossibilitado sem vontade de viver porque nasceu tetraplégico e enquanto ele devia estar a brincar com as outras crianças, ele vive infeliz por ter alguém a limpar frequentemente seus cocôs. Que me é pesada como alguém matar minha mãe na frente dos meus olhos e eu não poder fazer nada além de ficar imóvel. Me é pesada como ser ignorado e menosprezado por quem um dia me devotei e jurei morrer por. Que me é pesada como alguém que descobriu ter uma orientação sexual diferente e ser destratado e deixado pela família. Eu vivo, sobretudo pesado e sob-carregado, só às vezes fico leve depois de foder e fumar um cigarro.
Aquelas mãos melífluas como o penso. Aquela mulher faz magia com a boca, suas palavras sempre me aliviam a alma depois de um dia esgotante e quente como um dia ensolarado, fofoca entre vizinhas ou fundo da cona de novinhas. Ela tem um jeito que me acalma, não obstante da vida ser dura comigo, ela faz a vida ser tênue na cama. Por mais que eu seja duro como a vida, eu preciso de suas mãos para suavizar minha mente, minha pele. Suas palavras amenizam minha dor. Seus conselhos são absorventes como um livro. No meio dessa confusão toda eu preciso dela. Ela é linda como o pôr-do-sol ou o céu às 17horas no verão. E para mim, sentir isso é raro, raro como um cego sentir cores, raro como o eclipse, raro como ver um coxo andar. Na vida de um homem é necessário sim uma mulher que entende quando a vida bate com pujança. Mentiu quem disse o contrário. Acredito que ela pensa o mesmo sobre mim, porque da maneira que ela anseia meu beijo, é como se ela dependesse do mesmo para viver. A maneira como ela olha para mim, é como um leão olha ávido, para devorar uma zebra. Confesso: eu sou um homem viril, possante e muito gostoso. Porque não é normal a maneira como essa mulher fica ofegante quando a encosto e deseja meu pénis penetrando no coração de sua vagina depois de um beijo platônico. Eu podia falar de como ela deixa meus dias mais animados, e como ela me motiva a continuar viver. Mas por que eu? Eu sou um completo promíscuo com pensamentos e vontades sórdidas. Talvez por ser um artista que não se assume ou, mais do que um artista que não se deixa conhecer por inteiro por alguém porque teme, mais do que paradigmas estabelecidos. É por isso que ela gosta de mim, gosta mais de mim, do que eu próprio na verdade, por ser muitas coisas numa só vida, num só corpo. Não me cabem as vestes de escritor, eu quero acreditar que essa cruz me é pesada e que não sou um escritor, mas depois de uma vicissitude, de um embate que a vida encarrega-se de arranjar, um espírito poético se alheia de mim.

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