Querida Cloe

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Desdren - Alemanha, 1945

Minha doce Cloe, espero que esteja bem. Fazem meses que você não retorna minhas cartas. Ando preocupado e com medo de que alguma coisa tenha acontecido, estou angustiado pois a saudade de vocês duas me sufoca todos os dias. Ainda tenho esperança de que essa guerra acabe logo e eu possa voltar em breve para casa, poder sentir o seu cheiro, as mãos da minha filha em meu rosto. Sinto uma dor torturante meu amor, uma dor que só o toque de vocês tem a capacidade de curar e me fazer sentir vivo mais uma vez. Eu sei que provavelmente você anda ocupada, cuidando da nossa filha e da casa, mas, por favor, me responda de volta quando tiver um tempo, pelo menos admirar as suas palavras pode me trazer um pouco de alegria e paz ao meu coração. Sinto sua falta. Vou contar um pouco sobre o que aconteceu por aqui.

  O último bombardeio matou muitas pessoas, perdi o meu melhor amigo, se você leu minha penúltima carta vai se recordar que comentei sobre ele, mas o pior de tudo querida foi eu ter participado de atrocidades que nem sequer passavam pela minha mente um dia viver aquilo.   Sobre o Antony, sabe, ainda é um pouco difícil falar sobre ele, não consegui superar completamente o que aconteceu, mas vou tentar. Naquela noite, nós dois estávamos fazendo rota com outros quatro soldados, até então sem sinal de problemas. Um deles, Taylor, contava sobre seus dois filhos e como sentia falta deles, só queria que a guerra acabasse de uma vez. Assim como eu. Ele sempre abria um sorriso quando falava de seu pai, disse que era o homem em quem se espelhou a vida inteira, era perceptível o orgulho nos olhos dele. Todos nós caminhando lentamente e olhando para o chão com as mãos entrelaçadas para trás, apenas ouvindo suas histórias. Ele era o mais falante da turma,  até o momento em que parou de falar. Naquela hora, ouvimos um som de tiro e quando olhamos para o lado só víamos Taylor caindo para frente. O soldado que fazia dupla com ele desesperadamente tentava reanimá-lo e dava gritos angustiantes, resultado de um acúmulo de dor e sofrimento que estavam ali. Ficamos alertas, mas não parecia ter ninguém ao nosso redor. A pessoa que deu o tiro foi muito rápida, com certeza seria um infiltrado ou radicalista. Antony disse que iria na frente buscar ajuda, insisti para ir com ele mas disse que não. Queria que todos estivéssemos seguros, poderia ter mais inimigos na área e precisaríamos ficar juntos. Foi a última coisa que ele disse antes de sair.

    Passou muito tempo, ele não voltava. Eu, mais que os outros, estava inquieto e preocupado. Sempre o mais corajoso, ele não tinha medo de nada. Mas mesmo não tendo medo, qualquer crueldade podia vir a acontecer e juro meu amor, eu estava sentindo que algo ruim tinha acontecido. Pedi para os outros ficarem lá e fui atrás do meu amigo. Com todas as minhas forças eu corri, com um aperto no peito que latejava a cada passo. De repente, escutei algumas vozes, estavam um pouco longe mas comecei a diminuir a velocidade. Elas vinham de uma trincheira, saquei a arma e andei cada vez mais devagar. Haviam três homens e um corpo no chão. Identifiquei na hora, era Antony. Estava sem roupas e todo ensanguentado,  cortes profundos por todo rosto e abdômen, mãos e pés amarrados e um pano na boca. Ele foi surrado inúmeras vezes. Os homens não tinham me visto, mas ele por entre as pernas de um me viu e arregalou os olhos cansados numa tentativa de dizer para fugir ou esconder rapidamente. Mas não consegui, meus olhos sangraram vendo aquela cena apenas gritei e comecei a atirar descontroladamente, acertando dois deles. Porém, um acertou a minha perna, gritei de dor e me arrastei em direção ao Antony, ele não conseguia se mexer. Não me preocupei com os homens, que acabaram fugindo, mas sim com o meu amigo todo coberto por sangue e terra. Me despedi dele naquele momento, não tinha como salvá-lo. Mas antes de morrer, ele disse: '' Nunca desista da sua família.'', e fechou os olhos. Fiquei em choque, não sabia o que pensar naquele momento meu amor, apenas lágrimas caíam e caíam. Tirei de dentro da carteira dele a foto de sua irmã, essa que coloquei no seu túmulo no outro dia. Saí correndo gritando por ajuda e todos, no fim, conseguiram chegar ao acampamento seguros, menos ele. 

 O general me fez várias perguntas, nem se importou em como eu estava com o luto. Chegamos à conclusão de que aqueles homens estavam tentando tirar respostas de Antony sobre assuntos de Estado, mas ele não disse nada e foi torturado. Morto. 

 Isso tem me deixado muito mal, sem vontade de comer e pra falar a verdade, viver. Mas as suas últimas palavras me deram força para continuar lutando pela minha família e me deram esperança de estar aí novamente. Estou sofrendo querida, a angústia e a solidão tem se tornado minhas companheiras ultimamente, não quero continuar assim. Sinto saudade do seu beijo e do abraço da nossa filha, por favor me retorne, preciso de notícias e saber pelo menos se vocês estão bem. Só assim poderei dormir mais tranquilo. Eu amo vocês, amo muito! 


Com carinho, seu marido Tom

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