Eram campos verdes, infindos. Os tantos lugares que passava, tão diferentes, sempre com um tom de novidade. Me lembro de entrar num palácio em ruínas, a porta já não estava mais lá e pouco a pouco o mato se infiltrava pelo piso de pedra, mas o lugar mantinha a imponência. Lembrava os castelos japoneses como se vê nos filmes, cada andar tinha um telhado com o canto levemente levantado, tudo em cima de uma montanha de muito verde. Não esbarrei a toa nesse colosso abandonado, fui enviado, e a cada passo prendia a respiração e olhava em volta.
Ao entrar, um salão amplo totalmente vazio, com uma porta a frente, uma a direita e outra a esquerda. Apenas na porta da frente havia uma porta, nas outras duas havia apenas um buraco, que não se dava pra ver muito longe, davam para corredores mal iluminado. O lugar era extremamente quente, era verão e o palácio não deixava nenhum vento passar, suor pingava de meu queixo.
Me aproximava da porta da frente, pisava lentamente, e ouvia o silêncio, atento.
Um passo, silêncio. Outro passo, silêncio.
A gota pinga do meu queixo e lentamente tocava o chão, fazendo um pequeno estalo. Fico imóvel, forço a respiração mais lenta que consigo, ouço em volta o silêncio total, viro minha cabeça lentamente para esquerda... viro lentamente minha cabeça para a direita. Não acho que me ouviram. Continuo a sequência de passos leves, vou chegando próxima à porta. Há um cheiro estranho no ar, eu não sei se há alguém aqui, ninguém pode saber que eu estou aqui. E se tiver alguém naqueles corredores? Se ele estiver vindo? Eu não tenho como fugir, não tenho como me esconder. Se eu me mover vão me pegar, não tem jeito, mesmo se eu correr muito. Se alguém entrar por detrás de mim eu posso correr pra um dos lados, mas se tiver alguém no corredor? E se alguém vier da esquerda e eu não ver? Ou da direita. Observo atento a todos os lados, não faço nenhum movimento brusco, todos são controlados e calculados. Eu não posso errar.
Com os passos lentos e arrastados, me aproximado da porta. Agarro a maçaneta e com um movimento suave, giro. Minha mão é puxada, que puxa meu braço, que me leva junto, a porta parece se abrir mas despenca, caindo no chão a minha frente, me levando junto caindo em cima dela. Poeira para todo lado, o estrondo é imenso, tusso, tusso e tusso. Meus olhos ardem, não consigo abri-los, muita poeira. Alguém pode estar vindo, preciso sair daqui agora! Me levanto, mas tropeço e caio de novo, sinto meu joelho sangrar, tateio em volta na esperança de alguma coisa, alcanço a parede e vou engantinhando com velocidade, sinto algo molhado em meu joelho, talvez seja meu sangue, não sei, não há iluminação, não consigo ver, mas continuo engatinhando. A frente há luz entrando, pela parede uma fresta muito pequena próxima ao chão. Há alguma figura em pé. A luz que entra ilumina sua sandália de madeira. A nuvem de poeira é tão densa, tornando tão difícil respirar. Um reflexo me cega por um instânte. É uma lâmina. Uma espada. Meu deus, preciso correr daqui, a figura começa a caminhar pela minha frente e a sai da luz, não consigo enxergar mais que uma assombra. Ela se aproxima rápido, tento levantar mas caio, minha perna não me responde direito, o quanto eu sangrei? A sombra se aproxima cada vez mais rápido, correndo, como eu fui parar aqui tão indefeso? Tem de haver algo no chão pra me ajudar, tateio, algo pra me defender, ele está tão perto, ai não, não vai dar. A sombra está a minha frente, sua mão pega no meu ombro.
- Acorda, Chico, acorda. Já são 8:50, de novo não pôs o despertador? Vai, não tem tempo, você só tem 10 minutos.
Era só um sonho, um pesadelo. Ou um sonho. Elsa me acorda e olha pra mim com uma cara de preocupada.
- Vamos, Chico, já dormiu demais, levanta.
- Tô indo, tô indo.
Não queria ir, a gente fala o que tem que falar pra se livrar de chatices. Mas agora já acordei, tá, meu óculos, cadê? No criado-mudo ao lado da cama. Tão bom conseguir ver de novo, toda aquela poeira, toda aquela escuridão. Meu quarto de novo, as paredes azuis, os posteres, Naruto, Aggretsuko, Full Metal Alchemist. É, eles são bem bonitos mas eu preciso ir.
- Chico, se você não se aprontar em 5 minutos vai perder o ônibus. - Elsa está começando a ficar irritada, é melhor eu me apressar mesmo.
Pulo dentro da minha roupa, escovo o dente e só pego minha mochila. Corro para fora de casa. Puts, esqueci o caderno e de pentear o cabelo - não importa, o motorista do ônibus já começa a acelerar quando grito pra me esperar. Ele para, abre a porta e me passa um olhar de desaprovação, não olho nos olhos deles, prefiro buscar um assento vazio. Vejo meu amigo Léo, que me olha e sorri, oba. Sento ao seu lado e lhe digo oi.
Mais um dia na escola.