Capítulo 1

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Verão de 2019
Da proa daquele navio ele pensava em quando foi que se deu ao luxo de olhar as estrelas. Naquela noite em especial pareceu a ele que todas as estrelas surgiram esbanjando todo o seu esplendor.
Na popa, ela, encantada, olhava o céu, amava as estrelas, amava o verão e suas noites estreladas, o azul escuro cravejado de estrelas era de longe, a paisagem que mais lhe tirava o fôlego.
Ele resolve andar pelo convés, adora navios e todos os seus sons, da água contra o casco, do vento que assobiava e trazia consigo o cheiro do mar, pensava nisto ao caminhar, até que diante de si, viu a mais linda das imagens, daquele ângulo parecia que ela colhia estrelas, a jovem parecia encantada com o céu e apontava para as estrelas como se pudesse tocá-las, mas ele não queria saber das estrelas era ela a maior atração. Linda! O cabelo em um coque elaborado mas ao mesmo tempo frouxo dava-lhe a impressão de que, se tirasse um único grampo, uma cascata ondulada cairia sobre aqueles ombros delicados. O vestido vermelho trazia nas costas fitas trançadas que lembravam os espartilhos, a saia rodada dava a ela graciosidade. Ele tinha certeza de que jamais, em tempo algum, esqueceria aquela imagem. Do interior da embarcação, uma música francesa começou a tocar, ela então mewmo sozinha, balança e gira, embalada pela melodia, ele não resiste, se aproxima e a convida para dançar. Ela aceita.
_Sabe francês? Pergunta ela.
_Não. Responde ele.
Diante disso, ela traduz a letra.
_ "O céu azul sobre nós pode desabar,
E a terra pode bem desmoronar,
Pouco me importa. Se você me ama,
Não me importo com o mundo inteiro.
Enquanto o amor inundar as minhas manhãs,
Enquanto o meu corpo tremer sob as suas mãos,
Pouco me importam os problemas,
Meu amor, já que você me ama.
Eu iria até o fim do mundo,
Eu tingiria meus cabelos em loiro,
Se você me pedisse.
Eu iria desprender a lua,
Eu iria roubar a fortuna,
Se você me pedisse.
Eu renegaria a minha pátria,
Eu renegaria os meus amigos,
Se você me pedisse.
Podem muito bem rirem de mim,
Eu faria o que quer que seja,
Se você me pedisse.
Se um dia a vida te arrancar de mim,
Se você morrer, que esteja longe de mim,
Pouco me importa, se você me ama,
Pois eu morreria também.
Nós teremos para nós a eternidade,
No azul de toda a imensidão.
No céu, mais nenhum problema.
Meu amor, você crê que nos amamos"
A Voz dela era calma, suave e doce. Ele se permite fechar os olhos, naquele momento tinha muito do que amava, mar, navio, vento, um delicioso perfume de baunilha e a mais linda das mulheres em seus braços, nada da solidão que se tornou sua única companhia de vida.
Ela por sua vez, naquele momento tinha como companhia não somente as estrelas mas um lindo homem que com seus braços fortes, seu cheiro cítrico, a conduzia ao som de um "Hino ao Amor". Por um instante ela não se lembrou da solidão que era sua companheira de vida.
A música acaba. Olhos verdes e escuros se encontram, lentamente ele se inclina e a beija, lentamente, suavemente, ela o permite prosseguir por um tempo. Ele sente o corpo dela tremer em seus braços. Ele para, volta a olhar os olhos verdes. Percebe mesmo com a pouca luz do convés, que a face dela estava vermelha. Ela, ao recobrar a razão, é acometida por um grande constrangimento e sem nada dizer, foge dele.
_Por favor, me diga seu nome. Mas foi em vão, ela já não estava ao seu alcance...
Primavera de 2020
Pela sacada do hotel ele contemplava a lua, o céu estava cravejado de estrelas, agradecia por ser uma noite que ficaria ali, pois viera apenas para encontrar um importador francês muito importante no ramo da indústria têxtil. De repente ele a vê, se debruça no parapeito tentando se certificar de que realmente se tratava da mulher que insistentemente povoava seus pensamentos e sonhos a meses, a perde de vista, de maneira urgente, pega o paletó e sai porta afora, acessa o elevador em direção ao lobby, anda olhando de um lado a outro. _Onde você está? Murmura para si mesmo. _Onde? Não a encontra, olha no estacionamento e nada. _Onde você está?
Ele olha no relógio, detecta que já era hora de ir para o restaurante se encontrar com o importador. Irritado, sem outra alternativa, por hora, deixa de procurá-la.
No elevador a caminho do restaurante, ela pensava nele, possivelmente o cheiro cítrico que sentiu ao entrar ali, a fez lembrar. No espelho ela volta a conferir o visual. Tudo estava perfeito, constata.
Ela chega na recepção do restaurante, fala o nome de Bernard Dupont e é conduzida à mesa. Ao vê-la, ele abre um imenso sorriso e se levanta para recebê-la. O homem que estava de costas também se pôs de pé e virou para descobrir quem seria o alvo de tão calorosa recepção.
Olhos verdes e escuros se encontram. Os dele faiscavam de ciúmes ao descobrir que era ela a dona do sorriso, os dela, tímidos ao lembrar daquela noite... Ele a olhou de cima a baixo, Seher vestia um tubinho preto, scarpin da mesma e uma carteira verde. Os cabelos estavam soltos e isto o deixou maravilhado, ele sempre imaginou como seriam sem o penteado daquela noite.
Bernard faz as apresentações.
_Senhor Yamam, está é Seher, a CEO da filial em Istambul, _Seher, este é Yamam Kirimli, o novo parceiro da nossa empresa.
_Eu o conheço Bernard. Ela estende a mão em cumprimento, ele retribui o gesto mas em seus olhos as expressões de ciúmes, surpresa ao descobrir que ela o conhecia e o desejo se revezavam em uma rapidez incrível.
_Me conhece, senhorita?
_Sim, quem não conhece Yamam Kirimli em Istambul?
Bernard puxa a cadeira para ela que se acomoda de frente para Yamam. Nedim chega, se desculpa pelo atraso, ocupando o quarto lugar da mesa.
Bernardo faz menção de apresentá-los, mas Seher o antecede.
_ Prazer em revê-lo Nedim, como o senhor está?
_Estou bem Seher e você? Fiquei sabendo que veio de vez para Istambul?
_Sim, agora estou mais perto do meu pai.
Yamam estava querendo matar Nedim, como assim ele conhecia a mulher que ele procurava a meses, pensava ele.
_De onde se conhecem, Nedim?
_Eu a conheci há alguns anos em uma festa, eu estava namorando a Zeynep na época.
_ Foi pouco antes dela falecer, senhor Yamam, nós duas éramos amigas de faculdade. Foi a dois ou três anos atrás, Nedim?
_Três.
_Precisamos nos encontrar um dia desses para colocarmos os assuntos em dia.
_Será um prazer.
Yamam, definitivamente estava prestes a virar a mesa de ponta cabeça, Nedim percebeu mas não entendeu o motivo. Percebendo o olhar do amigo, Yamam, por baixo da mesa, envia uma mensagem pelo celular.
Nedim, recebe e lê: "Ela é a mulher que eu beijei no cruzeiro e que procuro a meses, estou a ponto de pegá-la e fugir daqui." Ele responde: "Tem uma coisa que certamente não sabe, ela é irmã de Kevser sua cunhada, portanto, tire ela da cabeça, o pai jamais permitiria."
Ao terminar de ler, Yamam a olhou atentamente enquanto falava francês com o patrão que visivelmente era, como Yamam, encantado com ela.
_Eu explicava para ele algumas particularidades da nossa culinária, nos desculpe.
_ Algumas coisas eu entendo em turco mas outras não, então fica mais fácil ela falar no meu idioma.
_ Não se preocupem, é compreensível. Disse Yamam.
O jantar transcorreu tranquilamente, no final da noite, os quatro se despedem, estavam saindo do restaurante quando Yamam a pega pelo braço, ela para e ele discretamente diz ao seu ouvido: _ Preciso falar com você, me encontra no jardim em dez minutos? Perto da entrada do labirinto.
_Tudo bem.
No celular, Nedim recebe a seguinte mensagem: "Distrai este homem, ela vai me encontrar no jardim e não quero esmurrar ninguém esta noite."
Ele a esperava a dez minutos que mais pareciam dias, com vinte minutos de atraso ela aparece, tinha trocado de roupa, vestia uma calça azul marinho, camiseta branca, casaco jeans e sapatilhas. Nas mãos trazia uma garrafa de vinho, taças e um pequeno pote.
_ Desculpe a demora, mas imaginei que seria uma conversa demorada e me precavi. Ela sorria, o sorriso mais encantador que ele já recebeu na vvida. _ Estou me tornando meio francesa.
_Tudo bem o importante é que veio. Venha, me acompanhe, ele a chama para o labirinto mas ela de repente estagna. _ O que foi?
_Tenho medo de me perder.
_Não tenha medo, confie em mim. Tem uma fonte linda no centro.
_Tem certeza que saberá sair?
_Sim, existe um segredo, te ensinarei. Ele estende a mão, ela pega. _Como este é um labirinto simples, a técnica consiste, basicamente, em colocar uma das mãos em uma parede. Daí é só seguir em frente, sem perder o contato com a superfície escolhida. Se você fizer isso, com certeza, vai acabar encontrando a saída. Juntos, caminharam usando a mão direita como referência. No centro havia uma linda fonte com bordas largas, onde eles sentaram. Em silêncio ele abriu o vinho, serviu as taças, no pote, haviam vários queijos para degustar.
_Sobre o que quer conversar?
_Sobre nós e aquela noite de meses atrás. Não consigo esquecer, tentei te encontrar mas você evaporou. Não sabia seu nome. Você sabia quem eu era?
_Sim, eu sabia.
_Por que não se apresentou?
_Achei que soubesse quem eu era, só quando perguntou meu nome entendi que não se lembrava de mim.
_ Como poderia me lembrar de você?
_Estudamos na mesma escola, eu estava lá quando você ajudou seu irmão a buscar a minha.
_Você estava diferente, usava boné, moletom, parecia um homem e foi muito rápido.
Ela ficou pensativa, Yamam não tirava os olhos dela que se deitou na borda admirando as estrelas, que refletiam nos olhos verdes. Com a voz embargada de emoção ao contemplá-la tão de perto, ele volta a falar.
_Por que não me procurou já que sabia quem eu era?
_Yamam, não havia por que eu fazer isso. O que queria que eu fizesse? Meu pai odeia a sua família, eu sou proibida de ter contato com minha irmã, amanhã vou para França e ficarei por lá no mínimo mais seis meses.
_Mas não vai assumir Istambul? _Já faço isso, mas acontece que na matriz estamos com problemas e eles querem que eu os resolva. Entende?
_Sim. E Bernard?
_O que tem ele?
_Você estão juntos?
_Não.
_Ele te ama?
_Ama, mas não é correspondido. Na verdade, ele não é o meu tipo.
Yamam olha desconfiado para ela mas não resiste e pergunta qual seria o tipo dela. Ela sorri ao pensar que a resposta seria ele, Yamam Kirimli definitivamente era o seu tipo, mas opta por ficar calada.
Seher se senta, depois levanta e anda em direção à saída do labirinto. Ele a puxa para si. _ Fugindo?
_ Yamam, melhor eu ir.
Yamam num impulso, lhe rouba um beijo, desta vez foi diferente daquela noite. Foi um beijo exigente e possessivo e ele não encontrou resistência da parte dela como na primeira vez.
_Não quero que vá. Por favor, fique.
_Não quero que nos arrependamos mais tarde. Ela lhe dá um beijo no rosto e sai sem olhar para trás.
Na cabeça dele havia apenas a certeza, a de que encontrou a mulher da sua vida.

* A tradução de Hymne a l'Amour (Hino ao amor), Canção de Édith Piaf está contida no texto.

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