Capítulo 1

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E no meio de um inverno eu finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível. - Albert Camus

Voltar talvez não tenha sido a melhor escolha que eu possa ter feito. O que eu estou dizendo? Com certeza não foi a melhor escolha! Eu já deveria ter me acostumado com isso, afinal, tenho tendência de fazer péssimas escolhas. Escolhi entrar no time de basquete na adolescência, ferrei com o um cotovelo, bati o carro dos meus pais, perda total, fiz promessas as quais fui incapaz de cumprir, não usei camisinha, me casei cedo demais, me apaixonei pela garota errada, deixei-a para trás, e agora, escolhi voltar ao lugar onde tudo poderia ter sido diferente. Como eu disse: Péssimas escolhas. Terríveis. Todas elas. Agora cá estou eu, sozinho, rodeado de pessoas, mas completamente sozinho. O vento litorâneo é gélido e as luzes da rua estão começando a ser acesas já que está prestes a anoitecer. As nuvens pesadas e o vento frio anunciam claramente que uma tempestade está por vir, consigo ouvir as ondas quebrando com violência na costa. Nem meu agasalho grosso consegue impedir todos os pelos de meu braço de se arrepiarem. Não sei bem como decidi vir até aqui, só me dei conta do que estava fazendo quando a voz do comandante ressoou em meus ouvidos indicando o meu destino final, daí já era tarde demais para voltar. Viu?! Mais uma péssima escolha. Um mês de férias parecia insignificante, mas lutei por ele, no entanto, nesse momento, nesse lugar, parece que vai ser interminável.

Inspirar novos ares, um tempo pra mim, um recomeço, foi o que eu disse. Tempo eu teria de sobra, já os ‘novos ares’ não eram tão novos assim e com certeza não significavam um recomeço, mas um retrocesso. Em minhas lembranças aquele lugar era mais colorido, mais animado, com o clima ameno e ensolarado, e fazia ressurgir memórias de um período que havia mudado a minha vida em todos os sentidos. O cheiro forte de algas marinhas e água salgada funcionava como um jorro de lembranças, lembranças dolorosas preenchidas de remorso. Mas ao mesmo tempo respirar esse ar funcionava como tirar o peso de minhas costas, não todo, mas boa parte dele. Também carregava a ilusão de que eu podia agir de modo diferente dessa vez. Mas é só ilusão.

Bem, vocês devem estar se perguntando, o que ele fez? Matou alguém?! Calma, não matei ninguém. Vou contar um pouco sobre mim, só um pouco. Minha história não vale muito a pena ser contada, afinal, eu não sou o bom moço que você espera.

Vinte e cinco anos, divorciado. Não soa nada bem, não é? Eu realmente não imaginava essa vida para mim, nem nos meus piores devaneios. Sonhava sim com uma família bem estruturada, mas só após ter vivido tudo o que eu sonhava. Só depois de jogar a mochila nas costas e deixar a vida me levar pelo mundo a fora, conhecer os lugares mais distantes e as comidas mais diversas de todos os lugares do mundo, eu voltaria para abrir um restaurante, construiria uma carreira e depois pensaria em formar uma família. Estava tudo planejado! Mas tudo mudou, saiu do controle, e as rédeas de minha vida foram tiradas de mim. Ao invés de uma mochila nas costas, acabei conseguindo uma maleta cheia de documentos, ao invés da liberdade, horários programados e cronometrados e um emprego burocrático em um cubículo sufocante na empresa do meu pai. Uma vida robótica, sem perspectiva, causada por minhas escolhas erradas.

Minha família não era estruturada, se é que eu posso chamar de família o que eu construí, mas uma farsa assegurada pelos meus pais e os da minha ex-mulher. Ex-mulher! Não é algo que eu vá conseguir me acostumar nem tão cedo, como também nunca me acostumei a chama-la de ‘minha esposa’, uma trava se apossava de minha garganta toda vez que eu tentava pronunciar tais palavras, isso a magoava da mesma maneira que me magoava por não conseguir ser o suficiente para ela, por não conseguir me doar completamente ao compromisso que havia assumido, e saber que nunca conseguiria. Meu casamento foi todo armado, um circo perfeito. Não foi pacifico e durou apenas cinco anos, os anos mais conturbados e interessantes da minha vida, que quase acabaram com uma amizade de anos. Fico feliz que tenham passado, com certeza, estou melhor assim. Pela primeira vez em muitos anos me sinto parcialmente eu mesmo. No momento em que guardei a aliança em uma gaveta me senti renovado, e pela primeira vez, livre. A ultima conversa com minha ex-esposa ainda rondava a minha cabeça, não houve drama, não pareceu um fim, mas um recomeço. Naquele momento eu não fazia ideia do destino de minha viagem, talvez as palavras dela tenham sido as principais responsáveis por minha escolha.

— Você vai atrás dela, não vai? — Julie me perguntou enquanto eu fazia as malas, era a ultima. Não consegui olhá-la, com medo de magoá-la, já havia a magoado demais, assim mantive a atenção nas roupas penduradas no guarda-roupa.

— Não sei de quem você está falando.

— Não se faça de idiota, Oliver.

Suspirei.

— Eu não vou a lugar algum. — Joguei as ultimas roupas dentro da mala, ainda sem olhá-la. Na verdade eu ia sim, iria sair daquela casa arquitetada para uma família perfeita que nunca existiu.

— Sim, você vai. — Ela se levantou da poltrona que estava sentada. – Olha pra mim, Oliver. — pediu. Desci a mala da cama e encarei Julie. Ela havia perdido o brilho nos olhos, o brilho pelo qual um dia eu havia me apaixonado, parecia cansada, ambos parecíamos. Mas ela ainda era linda, jovem e tinha uma vida toda pela frente. — Não mente pra mim, não mais, não tem por que.

— Eu não estou mentindo, eu não vou atrás dela Julie. Eu nem sei onde ela pode estar, desde o intercambio nós nunca mais no vimos, nem nos falamos... — A percepção disso não fazia nada parecer melhor, pelo menos não para mim. — Tudo é passado, ficou no passado.

Era quase verdade. Julie me encarou em silêncio e cruzou os braços.

— Você devia mentir melhor, sabe?! — Ela sorriu de modo cansado. — Você merece uma segunda chance, Oliver. — Tocou em meu ombro. — Nós dois merecemos uma segunda chance de fazer nossas escolhas.

— É tarde demais para mim. Mas você merece. Não deixe mais ninguém escolher nada por você.

Ela concordou com um aceno breve.

— Não vamos deixar nada mais atrapalhar com o que restou de nós, ok? — Julie colocou as mãos no bolso do short jeans.

— Nunca. — eu sorri. — Vem aqui. — a puxei para um abraço.

— Eu vou dar uma olhada na Emma. — Ela disse quando a soltei.

— Como ela está? — perguntei preocupado.

— Ela chorou um pouco, mas a gente já esperava por isso. — Concordei me sentindo pesado. — Não estamos fazendo mal a ela, Oliver, estamos fazendo o bem, ela vai crescer melhor se nós dois estivermos felizes.

— Eu sei. — Tentei sorrir. Emma foi o meu melhor erro, e eu não me impediria de errar de novo só para que ela nascesse. Foi por ela que tentei e persisti em algo que sempre soube que nunca daria certo, que tendia ao desastre. Tudo havia começado da maneira errada, mas por alguns momentos Emma fez parecer que tudo parecia certo.

— Você não me odeia? — Perguntei com medo da resposta. Ela tinha todo o direito de me odiar pelo resto da vida, pelos erros que cometi, por ser um péssimo companheiro, por não ter me dedicado o suficiente.

— Eu não posso odiar você por ter tentado. Eu amo você por ter tentado, por ter persistido até onde deu. E desejo um bom recomeço.  — Julie se inclinou para beijar minha bochecha.

— Pra você também. — A acompanhei com os olhos enquanto ela saia do que um dia foi o nosso quarto. A casa montada por nossos pais ficaria para Julie, meu apartamento já estava mobiliado e apenas me esperando. Era assustador começar tudo de novo, mas eu não via a hora de começar.

  

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