Viver no sul do Brasil em pleno mês de julho era tipo dar uma passadinha no Alaska, e por um momento, Kenjirou quase se arrependeu de ter ido embora do Nordeste.
“Eita” — comentou consigo que estava “apenas fazendo um friozinho bacana” em sua cidade, e quebrou a própria cara.
Havia acabado de chegar na casa do namorado, e o clima o atingiu com tudo, passou a entender como Semi conseguia ficar o dia todo empacotado de roupas pretas sem problema nenhum.
Pôde respirar assim que foi todo coberto por edredons, observou curiosamente o cômodo. Poderia ser simples, mas haviam posters e álbuns de bandas pelas paredes, guitarra ‘pra cá, bateria ‘pra lá, o acastanhado sorriu levemente. Era tudo a cara de Eita.
Haviam se conhecido em São Paulo, nas férias de inverno quando ainda adolescentes, acabaram mantendo contato pela Internet uma vez que tiveram que voltar para seus respectivos estados. Foi inevitável um romance quando a amizade passou a ficar mais íntima, com confiança sendo conquistada aos poucos para se abrirem um ao outro sobre estarem presos no armário e até sonhos para o futuro.
— Quer comer alguma coisa? — perguntou o mais velho, acariciando seus braços levemente por cima dos panos e negou silenciosamente. Sorriu ao reparar no rosto mais maduro de seu lindo gótico; os fios loiro-acinzentados ficaram maiores, as pontas escuras mais evidentes. Era mais lindo pessoalmente, diferente de chamadas de vídeo, Shirabu sentia seu hálito quente e poderia simplesmente tocar em sua pele.
Era maravilhoso, mas Eita não precisava saber disso. Puff.— No momento, quero um aquecedor e roupas bonitas e calorentas.
Semi sorriu assentindo, saiu do sofá em passos suaves, e após um longo período de segundos, voltou empurrando um aquecedor e algumas peças de frio. Kenjirou fez uma careta.
— Eita, eu pedi roupas bonitas.
O maior sufocou uma risada, jogando sua blusa e a calça moletom para o namorado, eram as peças menores que tinha. Ajustou o aquecedor e o ligou.
— Sim, e eu trouxe exatamente o que pediu.
— Não, você me trouxe roupas de galera gótica!
O homem não disfarçou a feição divertida enquanto se sentava ao seu lado para o ajudar com aquele ninho de cobertores.
— Ih, que preconceito todo é esse com a comunidade emo?
— Ora, e ainda pergunta? Emos não possuem um pingo de senso de moda, acabam com o cabelo descolorido com essas tintas de péssima qualidade e essas bandas que tocam por aí parece um show de horrores com panelaço. Agora, se me der licença, pode se virar ‘pro lado?
Eita piscou os olhos com aquela declaração, surpreso pelo namorado ter conseguido dizer tudo aquilo em menos de quinze segundos, virou-se de costas para o acastanhado. Repassou tudo em sua mente e quase riu com as palavras proferidas.
Aquilo era sério mesmo?
Shirabu bufou, e sua pele se chocou com a temperatura na qual não estava acostumado. Retirou o sutiã que estava vestindo a fim de jogá-lo no lixo, e vestiu a camisa larga. Tirou sua bermuda horrenda e feminina demais para si, junto da calcinha apertada, para colocar a cueca e a calça moletom. Após terminar colocando as meias, sorriu.
Estava bem melhor assim (um pouco largo demais, mas estava ótimo e com o cheiro de seu lindo), sem nada que cause disforia. Jogou as roupas que usava antes para o canto do sofá, se resolveria com elas mais tarde.
— Já posso me virar? — perguntou o bicolor com tédio, virou os ombros, vendo o outro se virar por conta própria enquanto dava uma risada.
— Está rindo bastante. — Não era um insulto, nem provocação, apenas observou o quanto ele estava feliz.
— Porque você está aqui.
Não era para ele corar, mas corou (e muito), o que fez Semi sorrir e apertar suas bochechas rosadas. Escutou uma risada provocante e passou a ficar vermelho de raiva, dando tapas nada delicados nas mãos alheias. Ora, vê se pode?
A briga digna de Tom & Jerry durou apenas por alguns segundos, porque por um momento, Eita segurou suas mãos, se aproximando lentamente até o amado, com uma leve curva no canto de seus lábios. Kenjirou prendeu o ar, o puxando para o primeiro beijo decente (ou não) do casal.
Uma ótima escolha, Shirabu pensou. Beijá-lo era bom, porque se sentiu no paraíso e no inferno ao mesmo tempo. Viciante. Sorriram quando o ar faltou, e o loiro envolveu seus braços pela cintura fina, puxando-o em seu colo para mais outro. Se antes o mais novo estava congelando de frio, agora se sentia queimar.
Shirabu apertou os ombros alheios ao se separar, em busca de um pouco de ar. Sua franja assimétrica estava um caos — todo o seu cabelo recém cortado estava bagunçado, para ser sincero.
Eita o observou.
— As minhas roupas… — Sussurrou, atraindo a atenção do mais baixo. — Ficaram ótimas em você, para quem dizia que emos “não possuem um pingo de senso de moda”. — Uma veia saltou da testa de Kenjirou pela provocação, e petulante como era, respondeu a altura.
— Claro que ficaram ótimas, eu que estou usando!
— Então está dizendo que não ficam boas em mim? — O acastanhado piscou algumas vezes, abriu a boca, mas não conseguiu formular nada.
Refutado com sucesso!
— E-eu nunca disse isso! — E em um passe de mágica, recuperou sua postura, embora ainda meio falha. Fez um bico sem jeito, escutando uma risada curta enquanto era abraçado fortemente por trás
— Não fique assim, nenê. — Brincou, sentindo suas bochechas arderem do tanto que já sorriu. — Eu ‘tava brincando.
Shirabu resmungou, mas não negou o carinho. Desceu o olhar para a blusa que vestia, percebendo uma estampa aparente. As paletas de cores eram rosa e roxo de tons fortes, notando algumas letras em azul turquesa. Um rosto feminino estava invertido ao lado de uma escultura grega. Nhé, até que era conceitual.
— É aquela artista que te mostrei no Twitter. — Se assustou com uma voz perigosamente conhecida em seu ouvido, vindo de uma risada sufocada em seu ombro. Fez um bico, ora, aquilo não foi engraçado! — Avril Lavigne.
— Hum.
Semi estourou a bolha ao se remexer para ir ao quarto, então Kenjirou percebeu que já não sentia tanto frio como antes, ainda estava embrulhado de cobertores e um aquecedor em sua direção, relaxando a sua postura.
Estava feliz, e o fato de finalmente ter visto Eita após tantos anos — mesmo com mensagens e ligações — era diferente de tê-lo abraçadinho consigo para se aquecerem, ou simplesmente para ter contato físico, ainda era chocante. A ficha não havia caído, porém ele estava feliz.
Valeu a pena ter saído de casa — para não admitir que foi expulso após cortar o cabelo e se assumir — para ir até o pé do país (literalmente).
Passos ficaram mais próximos e o mais velho apareceu em seu campo de visão com o celular e um fone de ouvido. Piscou os olhos confusos, o vendo sentar-se no mesmo lugar enquanto mexia em alguma coisa no aparelho eletrônico.
— Toma aqui. — Estendeu um dos fones, e conectou o fio no celular.
— O que vamos escutar?
— Pop punk, talvez um rock.
Apenas cinco palavras já foram o suficiente para Kenjirou respirar fundo e revirar os olhos. Contragosto, colocou no ouvido, vendo que o namorado ajustava o volume, e antes que Eita pudesse dar play, murmurou:
— Sinto que irei odiar.
— Você nem escutou ainda, bobo.
Antes que pudesse retrucar, a música ressoou por um de seus ouvidos, e a melodia viciante tomou toda sua atenção. Por um momento sentiu que já havia escutado em algum lugar, retirando tudo o que disse. Tinha algumas palavrinhas em japonês, algo tipo “Kawai” junto de um ritmo chiclete. Era… bom?
Permaneceu em silêncio enquanto escutava, e aquilo chocou Semi.
Se remexeu lentamente, a fim de procurar um pouco de atenção, e acabou perguntando.
— Que música é?
— Hello Kitty, é dessa menina aí. — Apontou para sua blusa.
— Hum. — E voltou para sua pose inicial.
O loiro sorriu lentamente, se aproximou para um abraço de urso, tomando cuidado com o celular.
— ‘Cê sabe que eu não vou rir caso apenas dizer que gostou, né? — perguntou calmo, afagando seus fios caramelos enquanto cheirava no topo de sua cabeça.
Shirabu virou-se para encará-lo com um bico emburrado, sentindo seu orgulho ser pisoteado sem dó.
— Me dói admitir…
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Vida longa ao rock (SEMISHIRA)
FanfictionShirabu não aguentava mais aquela palhaçada, não era porque Semi era um obcecado por aquele conceito grotesco e ridículo de feio que ele também poderia ser - era exatamente isso o que se passava pela sua cabeça até ser convertido completamente pela...