Frustrado.Essa era a palavra que definia seu estado mental. Como algo tão simples e prazeroso havia se tornado complicado e sem graça?! Já estava na décima tentativa de escrever uma matéria, mas nada era interessante o suficiente, e com sua má vontade a escrita saía cansativa, nem mesmo um animal iria querer ler aquilo.
Completava-se cinco meses que se formará na faculdade de jornalismo, e depois de tanto orar aos céus tinha conseguido um emprego em um jornal, não era algo grande, mas era o suficiente para se sustentar até algo melhor aparecer. E depois de tanto tempo servindo cafézinhos e ouvindo lorotas de seus superiores, finalmente lhe foi dada a oportunidade de escrever algo para o jornal, obviamente era um pedaço minúsculo e que só iria estar ali para preencher o papel, mas já era um avanço. Tinha ficado tão excitado com a notícia que mal se tocou que antes de escrever sobre algo, você tinha que ter esse "algo". E esse era o motivo da frustração do homem, ele não tinha absolutamente nada.
A primeira ideia que lhe veio à mente era sobre política, mas isso já estava estampado em todas as folhas do jornal, quem iria parar para ler uma notinha perto da matéria completa?! A segunda ideia era mais bobinha, como a restauração da praça da cidade, mas de novo, quem iria perder seu tempo lendo sobre algo que poderia ir até o local conferir com seus próprios olhos?!
E não acontecia nada naquela cidade que fosse interessante reportar, talvez devesse perguntar para as senhorinhas fofoqueiras do seu bairro, elas sabiam de tudo, e até quando não sabiam elas inventavam.
- Eu sou um fracasso... - fechou a tela do notebook e jogou suas costas para trás, esperando que a cadeira o sustentasse, mas o que realmente aconteceu foi um tombo vergonhoso. Com as costas espremendo a o suporte da cadeira no chão, e as pernas pra cima apoiadas no assento, começou a rir da sua falta de sorte. Queria testar se o ditado "Quem ri seus males espanta" estaria certo. Bem, ele estava errado. - Talvez eu deva fazer uma matéria sobre esse tombo, posso até escrever sobre como as formigas se reproduzem, vai dar tudo na mesma. - levantou do chão com mau humor, e com sua coluna doendo e implorando por uma massagem. Ponderou se devia colocar a cadeira de volta no lugar, talvez não valesse a pena tanto esforço, mas como odiava coisas desorganizadas se deu por vencido.
O apartamento estava limpo, não tinha muito o que se fazer ali. Deveria escrever, mas sempre dava um jeito de fugir de suas obrigações, então foi para a cozinha procurar por algo que pudesse fazer, mas nunca fora um grande fã de cozinhar, ali só havia macarrão instantâneo e café 一 que pelo milagre era realmente o pó, e não o solúvel. Não tendo muitas opções de escolha, optou pela bebida.
Enquanto colocava a água para esquentar começou a pensar novamente sobre algo que valesse a pena escrever, mas sua mente estava coberta por uma neblina densa, e podia jurar que ouvia até uns "cri, cri, cri", era uma piada até para seu subconsciente. Talvez devesse escrever sobre sua vida, era a única coisa que de fato conhecia bem 一 ainda tinha dúvidas sobre isso, mas ele gostava de fingir que se conhecia.
O sol estava começando a se pôr, e o próximo dia que viria era um domingo, seu dia de folga. Bernardo planejava dormir até meio dia, seu corpo pedia por aquilo, não tinha uma parte de si que não estava cansado, mas sua responsabilidade lhe cobrava o artigo.
一 Mas que saco... 一
automaticamente bateu na bancada da cozinha, estava começando a ter mais um dos seus acessos de raiva e desespero.Se sentia um fracassado, com 26 anos não tinha conquistado nada além de um apartamento minúsculo, um fusca dos anos 90 e um monte de boletos. Quando era adolescente jurava que com a idade atual já estaria morando em outro país, quando na realidade não tinha nem conseguido sair do Brasil, e por falta de tentativa não era. Sempre fazia planos para viajar pra fora, economizava todos os anos, mas sempre acabava acontecendo algo que precisava gastar esse dinheiro, como por exemplo: o carro quebrar, a geladeira queimar, o gás acabar. Seu salário não era muito, cada centavo era precioso, odiava o fato de não ter nascido rico como boa parte dos seus antigos colegas da faculdade.
Poderia continuar se auto depreciando, porém preferiu parar quando ouvir as bolhas que já se faziam na água que estava fervendo. Colocou quatro colheres de pó no coador, e despejou a água ali, antigamente o cheiro de café lhe dava uma dor de cabeça forte, mas com o tempo acostumou, principalmente depois que entrou na faculdade e precisava entregar trabalhos em poucos dias, a cafeína havia lhe salvado diversas vezes.
Poderia continuar perdido em seus pensamentos sobre a bebida, mas ao olhar a caneca com estampa de gato no armário, lhe trouxe um sentimento conhecido e pouco agradável. Era tão estranho passar café apenas para si, e usar apenas uma caneca. Ainda não tinha se acostumado com a vida individual, e se sentia um adolescente de 15 anos quando começava a pensar em coisas tão banais, mas eram tão sérias para si. Sentia falta da companhia, de ter alguém com quem conversar todos os dias, da irmandade que existia, mas fazia tanto tempo que não sentia isso que parecia ter esquecido como era a sensação de ter tudo isso.
一 Vamos parar com esses pensamentos, Bernardo! Você está sem tempo, irmão.
Deixando uma pequena louça suja para trás, rumou novamente para a sala, mas agora com a sua caneca de café amargo e forte. Odiava a bebida quando era criança, mas agora não conseguia viver sem ela.
Queria voltar a sentar em sua cadeira e focar apenas no notebook, porém estava cansado demais para isso, e provavelmente iria escrever o pior artigo já feito na história. Então, optou por apenas apreciar a bebida e ficar encarando o entardecer da janela.
O céu estava bonito, com tons laranjas e rosas, parecia uma paisagem de uma pintura renascentista. Talvez devesse escrever sobre o pôr do sol, o começo da noite e da ansiedade de milhares de pessoas. Ok, talvez os pensamentos de Bernardo sempre acabavam de maneira depressiva ou auto-depreciativa, mas quem poderia culpá-lo?! Estava encrencado, se não escrevesse nada, podia nunca mais ser escolhido para escrever um artigo, mesmo que fosse um minúsculo e que ninguém pararia para ler.
- Chega, cara! Já deu de pensamentos que induzem a pena, já deu! - sentia-se um louco por falar sozinho, mas se não desse um basta em sua mente ela o levaria para lugares perigosos. Lugares que não queria frequentar novamente.
O café estava começando a esfriar, então tomou rapidamente o que restava em sua caneca, o líquido era amargo e forte, mas já havia se acostumado com aquele gosto - mesmo que não fosse prazeroso senti-lo.
A mente de Bernardo encontrava-se vazia e com turbilhões de sensações, mas sabia o que estava prestes a acontecer. A ansiedade estava ali a espreita desde que o celular despertou às 6h, esperando o momento certo de dar o bote, porém ficou tão ocupado no trabalho que ela não teve tempo de aparecer, mas agora ela estava ali, como uma velha amante, que sabia muito bem onde tocar para machucar, e sabia que ela tornou essa liberdade a partir do momento que bebeu o primeiro gole da bebida e deixou que a cafeína tomasse conta de si.
Um inferno estava por vir, uma grande tempestade, mas seu subconsciente gostava de atormentá-lo um pouco mais antes que o verdadeiro dilúvio chegasse. E se escrevesse sobre saúde mental?! Não era um tema muito citado no jornal da cidade, e talvez ajudasse a população, quem sabe o diagnostico dele finalmente servisse para alguma coisa.
Sentiu-se verdadeiramente inspirado em semanas, mas foi tocar nas teclas do notebook que a sua companheira antiga chegou. Suas mãos começaram a suar frio, a respiração descontrolada, sentia o coração bater tão forte que achava possível ele pular para fora da caixa torácica, os pensamentos se acumulando impedindo que pudesse dar nome aos sentimentos. A ansiedade estava lá, e talvez ela estivesse daquela vez, o sentimento de desespero, de derrota, por que continuar? Não iria a lugar nenhum.
- BASTA! - bateu na escrivaninha e levantou-se da cadeira desesperado. Seus remédios tinham acabado, se odiava por não ter comprado mais cedo quando passou pela farmácia, agora seria obrigado a aturar aquela companhia indesejada. - Vai ser uma longa noite...

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Cicatrizes de uma Estátua
عاطفيةBernardo estava eufórico quando recebeu a noticia que escreveria sua primeira coluna no jornal, mas a alegria durou pouco até lembrar que precisava de um bom tema para publicar, e ele não tinha absolutamente nada. Aos 26 anos e não conseguia pensar...