I - Acordo do pior jeito possível

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A Moeda de Prata / Parte 1
-ACORDA!!!
-AAAHHH! - eu grito. E por instinto, dou um tapa em quem quer que tenha gritado.
-Aiii! Melanie! - reclama Jake.
- Jake! O deu em você para gritar no meu ouvido? - digo levantando.
- Aula, esqueceu? Já está quase na hora.
- Aff. Um balde d'água seria melhor que um grito.
- Eu pensei nisso também. Mas, a cama iria ficar molhada e sua mãe não ia gostar nada disso.
Jake é meu melhor amigo. Desde que eu me mudei de escola (nesse mesmo ano) ele e eu sempre formamos uma dupla inseparável, porque afinal, não é todo mundo que aguenta levar tapas. Ele tem 14 anos, um cabelo encaracolado marrom escuro e tem um problema com as pernas que o faz usar muletas. Nunca soube o porque, na verdade, na última que perguntei ele se recusou a contar e pareceu ficar aborrecido, o que deixou claro que eu não deveria voltar a tocar no assunto (deve ser algo bem grave). Minha mãe confia nele o bastante para dar a liberdade de vir para minha casa para ficar comigo, ou como encaro, me vigiar Não que eu goste.
- Porque está aqui? - questiono.
-Sua mãe saiu cedo pra trabalhar.
- Não deveria estar arrumando as muletas que foram quebradas?
- Arrumei ontem.
- Não é preciso ficar aqui, sei me cuidar sozinha! Não sei porque minha mãe confia tanto em você.
Ele não respondeu. Olhei para ele e vi que pareceu ficar aborrecido com essa observação.
- Quer dizer, eu sei o porque sim! Você é o meu melhor amigo, companheiro, responsável, põe meus problemas acima dos seus...
- Por que essa é minha função. - ele resmunga.
- Anh??? Como assim? - Olho pra ele indignada. Porque ele literalmente colocaria? Porque seria a função dele? Ele é só meu amigo, ora! Isso que faz ele retirar o que disse.
-Quero dizer, meus problemas não são tão importantes quanto os seus. - antes que eu pudesse falar algo quanto a isso, Ele fala - Rápido, a aula! Hoje temos aquela excursão no museu, esqueceu?
-Jake, é só amanhã.
- É? Mas mesmo assim, rápido, a aula!
-Okay, okay. - bufei. - Mas não tenho problemas importantes, Jake. Não pode ser uma função, sabe. Sei que quer ser legal, mas isso é demais.
- Esqueça isso, Melanie. Não escolhi direito as palavras, é só. - ouvi ele resmungar num tom quase inaudível - Semideuses...
- Semideuses? - pergunto - Jake, que é isso? Você vive falando, mas nunca me responde! É uma espécie de comida? Um dedo de um deus?
- Anh? O que? - ele parece assustado - Anh... Melanie, é difícil explicar... Vejamos... você vai para um acampamento esse ano, certo?
- Acampamento? Ah, é. Quer dizer, minha mãe quer que eu vá, mas claro que não vou, nessas féri...- fui abruptamente interrompida.
- O QUE? VOCÊ VAI! VOCÊ TEM QUE IR! SEM DÓ, NEM PIEDADE! DOENTE OU NÃO, ARRASTADA OU NÃO, MORTA OU VIVA! VOCÊ VAI!
-Ora, porque TENHO? - fico irritada.
- Acredite em mim... Tem muita coisa que você não sabe, que você vai aprender lá!
- Tipo o que? - eu disse já extremamente irritada - Tipo o que significa "semideus"?
- É, também...
- Mas isso eu pesquiso no Google e pronto. - dou de ombros e termino de me arrumar.
- Ora, Melanie, é mais do isso...
- Então o que? Já tenho que passar quase o ano todo estudando, agora nas férias também? O que EU precisaria saber MAIS?
- Anh, vamos ver... O que eu sou, o que você é...
- EU JÁ SEI QUEM NÓS SOMOS! - repondo gritando: meu limite de paciência havia esgotado em um estouro.
- E quem seu o seu PAI É! - ele responde, aos berros, igualmente.
Ele tocou em um ponto fraco. O meu ponto fraco.
Por um instante sinto o meu corpo ficando quente, meu rosto queimando, e minha mão se fechando involuntariamente, e logo sei o que significa: uma fúria enorme crescendo dentro de mim, como chamas que se espalham por uma floresta, sem aviso, silenciosa, mas com ambição a destruir o que há ao seu redor. E só foi necessário uma uma faísca. Então, esqueço da regra de contar até 10, e com o meu antebraço pressiono o pescoço dele contra a parede inesperadamente.
- NÃO. FALE. DO. MEU. PAI! - falo com pausas, como seu eu quisesse que ele não perdesse nenhuma parte - O que um acampamento "bobo" teria a ver com meu pai? Você nem ao menos conhece ele! - respondo o mais alto que posso, gastando minha fúria em palavras, e subitamente a raiva some e me dou conta - E... nem eu.
Nesse momento percebo duas coisas. 1: estou sufocando meu amigo. 2: estou prestes a chorar. Portanto, largo o pescoço dele inesperadamente, dou as costas e finjo estar arrumando os materiais enquanto me forço a não perder para as lágrimas.
- Desculpe-me - eu digo, com voz abafada pelo nó inesperado que surgiu em minha garganta.
- Está tudo bem, Melanie. Eu te entendo. - ele diz calmamente, como se não houvesse ocorrido nada.
Como me entende? Ele não passou pela mesma coisa. Não falo nada, porque posso retornar às lágrimas.
- Escola? - Jake diz.
- Escola. - digo, certa de que nunca mais farei isso.

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