Sobre a toalha estendida na grama daquele dia sentavam-se os dois amantes. Ela, debaixo de seu longo vestido florido e aveludado. Ele, sob um céu anil de certezas triunfantes e inegáveis verdades. Juntos. As margaridas balançavam com a brisa suave do final de julho, dançantes, tenras. Amarelas e brancas, do vestido, da terra, da tela, do vaso, dela. E ele admirava internamente todas aquelas nuances, inexpressivo, apagado, índigo. O brilho dos olhos dela competia com o sol, com os girassóis, transformava todo aquele amarelo já vivo em dourado, dos cachos do cabelo dele quando de dia, ali, lentes de contato mágicas que fazem do nada um tudo, a falta em uma sobra, o canto em um templo, o normal em ideal, o mal em bem... meu bem! Ah, meu bem... Inclinava-se fronte aos seus lábios aveludados e tocava-os suavemente com os dela, como duas pétalas deleitantes do amor mais puro, da mais profunda singeleza e sensibilidade. Sentir-te é como meu sonho pueril de poder tocar as nuvens... Como sabes, se nunca as nuvens tocaste? Apenas sei, inexplicavelmente, tenho certeza de que é a mesma sensação... tua pele, tua presença... é como morrer e chegar ao paraíso onde o irreal é lindo e eterno, repleto de claridade harmônica. E o real? Nele não se pensa. Mas deveria, eu sei. Eu sei, meu bem, meu anjo, meu pedaço de infinito... como posso evitar teu impacto que eleva minha alma aos pontos mais altos e extremos do desejo? Do querer? De tudo, de tudo...
Os pedaços de abacaxi cortados em rodela espalhavam a polpa doce e opaca pela superfície da toalha, banhavam-na e pouco a pouco impregnavam-na com seu néctar, infiltravam-se nas camadas do tecido e hidratavam as pontas da grama, escorrendo lentamente em seu corpo até a terra que de seca e rígida foi à lama umidificada, tão profundamente, cada vez mais adentro de todas as camadas terrestres – da terra, da Terra. "Olha-me de novo. Com menos altivez. E mais atento.", citou em murmúrio jubiloso entre os dentes cerrados e sussurros comprimidos. Hilstianos, ela de terra, ele de água. Os lábios corados de seus sonhos mais selvagens faziam-na protagonista da própria versalhada, conto de fada, cena divinizada. E ele ali, obrigado a existir dentro da fantasia exacerbada. Ah... Deixa-me fazer parte de ti. Uma vez só. Eterniza-te em mim, meu bem, eu imploro!
Formigas enfileiradas foram logo trilhar seu mais novo objetivo, que paraíso era ali! Que atmosfera envolvente de doçura, que volúpia, que êxtase do abacaxi... corriam incansavelmente em direção àquelas delícias. Entre as ancas se aglomeraram e, senhor, o que é isso? Que incômodo ardente me assola? Os incômodos do real, minha amada, da vida. E por qual motivo convencem-se bem-vindas? Ora, a vida não pede licença, querida... vem logo e perfura a pele macia. Cabe a ti doer-se ou seguir com algum desconforto. E, ah, que latejante era a dor, como fazia o ego tremer. Sigo aqui, meu bem, contigo. Pois neste lugar meu devaneio juvenil romantizado nunca será cessado – ao seu lado.
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Formigas
Short StoryUma simples tarde de piquenique, duas complexas figuras. E formigas.