Eu olhei o céu mil vezes antes de você chegar - com medo de perder qualquer detalhe dessa noite. E a cada segundo que passava, sem que você chegasse, os deuses pintavam outros tons para a tela escura e cravejada de estrelas que se desdobrava bem acima dos meus olhos, denunciando ao longe as sombras das nebulosas. A beleza me consumia à medida que tudo o que era natural para os animais, se tornava divino aos meus olhos inaptos, cansados de prédios, de carros, de plantas cinzas nos cantos das salas e dos consultórios – que tentavam com as poucas forças que tinham transformar toda a concretude dos homens de bem, apressados, proletariados e cansados a todo tempo, em algo menos difícil de suportar. E enquanto eu olhava para a rua, esperando que a sorte te trouxesse, te fizesse atravessar os sinais de trânsito para me ver, na beira do murinho baixo da minha casinha amarela pálida, eu percebi coisas em mim que só apareciam quando você se aproximava. Por que minha mão suava naquela hora da madrugada? Porque de repente eu perdia o medo dos assaltos, dos animais, dos notívagos, dos embriagados, das censuras dos meus amigos, da insegurança...? O que me faz pensar que você vem mesmo essa noite, depois de tantos furos, de tantas idas e vindas, de tanta confusão? Eu que nunca tive medo de não Ser, não Ter, com você me tornei sensível a qualquer atraso, a qualquer desculpa esfarrapada, a qualquer mensagem animada, a pedidos de espera sem prazos marcados, sem retornos esperados, não consigo mais aguardar.
E enquanto eu tento poetizar a sua vinda, eu vejo que o último ônibus acaba de sair da estação, prometendo volta para apenas amanhã, quando o sol já tiver se levantado na cadeia de concreto no horizonte, tampando a vista dos poucos montes verdes ansiosos pelo calor do sol, para que devagar seque o orvalho brilhante, que logo voltará a crescer quando a noite chegar e quando você vier me visitar e disser que se atrasou que não conseguiu pegar o ônibus, que o Homem te pediu para ficar um pouco mais. E eu? Vou estar aqui amanhã? Quando o sol cair de novo, quando o orvalho voltar, quando os ratos terminarem de comer os restos do latão, naquele beco, aquele lá, sabe? Quando a sirene da polícia passar avisando, que tem gente dormindo enquanto eu te espero na varanda e penso em me deitar. De novo. Já é a quinta vez que eu saio aqui fora, desde que você mandou mensagem, ás onze e meia tem trabalho? Onde você está? De novo. E enquanto eu poetizo a sua vinda, eu olho para o céu, pensando naquela vez, na última vez, lembra? Quando você me colocou no colo, e quando eu pude ouvir o seu coração bater, devagar, sem descompasso, sem alterações, você é sempre tão calmo... É isso que eu gosto em você? Não, não, tem mais. Eu gosto de quando você cola os lábios na minha boca, e solta bem devagarinho, você nunca tem pressa. Eu gosto de quando você morde minha orelha, a pontinha, quando sussurra no meu ouvido, diz que eu sou bonito e que já está morrendo de saudades... E é aí que eu sei que você já vai embora, tem que acordar cedo amanhã. Por que você não fica e dorme? O que te faz ir embora toda a noite? Que não te deixar ficar comigo nem por mais um segundo e que te faz ir embora, preocupado, olhando no relógio, me mandando beijos, enquanto eu, deitado na cama, virado de lado, junto os lábios, relaxo as sobrancelhas e deixo você ir.
- ... E este conto continua no próximo capitulo! Espero que tenha gostado, e se gostou, peço que deixe um joinha e indique para os seus amigos! Muito obrigado. <3... -
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Como o amor se parece?
RomanceComo o Amor se Parece é uma coletânia de crônicas sobre as múltiplas facetas do amor, são histórias e estórias narradas para falar sobre um sentimento enorme que não pode ser compreendido, mas que pode ser descrito, observado, analisado, mas nunca e...