No topo de um pinheiro azul morava Zeline, um pardal de canto mais puro que o próprio badalar dos sinos daquela véspera de Natal. A árvore de seu encontro, Serena, estava situada bem no meio dos campos da fria montanha do oeste, quase que completamente despedaçada, delirando de cansaço à então caçula da família das aves locais, a última a sair do ninho.
Aconselhavam-na a migrar o mais rápido possível, voar para longe em busca de uma nova e mais confortável morada, para que seguisse a sua vida de forma muito menos angustiante. Zeline sempre acordava às três horas e meia da madrugada para buscar galhos suficientes que pudessem sustentar sua amiga, lutava muito pelas suas vidas em conjunto, mas a anciã já tinha cumprido tudo o que almejava, tudo o que deveria fazer. Abrigara mais de dezesseis gerações de ancestrais do pássaro, o que queria mesmo era a calma e a tranquilidade que a terra agora a oferecia. Zeline estava desolada. Perguntava-se se conseguiria deixar a árvore que tanto amava; deixar o ser, o lar e a própria forma de vida que a acompanhou por tanto tempo.
Zéfiro, o vento do oeste, de passagem, logo zanzou, dançou e inesperadamente sentiu a deprimida energia emitida por cada traço do corpo do pardal. Decidiu fazer-se presente. Assoviou tão harmoniosamente quanto as cordas de uma admirada lira:
-O que te preocupas? -questionou.
-Ah, tanta coisa, Zéfiro - respondeu tensa, Zeline.
Então, ele decidiu repousar, inspirar bem fundo e expirar:
-Sabe, amar cria raiz, sim. Cria, independente de ser verbalizado. Basta sentir o amor para que fiquemos dependentes dele, Zeline. Uma dependência boa, daquilo que nos faz sentir vivos (disse Martha Medeiros).
-Mas por que preciso deixá-la, Zé? Por que sinto que devo tão desesperadamente ir?
-Óh, querida, eu não sei se tenho essa resposta, a vida nem sempre é clara o suficiente para que possamos entender de forma racional o que nos passa. Só sei mesmo o que aprendi com o tempo: quando amamos uma pessoa, independente da distância entre os corpos, os pensamentos em algum lugar estão entrelaçados, lembre-se disso (Leila Jarosz).
E assim, o vento dissolveu-se com a chegada brisa do entardecer, situando-a pensativa. Mas foi só quando o Sol tornou-se repentinamente ausente na sua linha do horizonte, que finalmente percebeu o quão pequenas eram as suas angústias perto do tamanho desafio que sua velha amiga estava para passar. Dirigiu-se à sua direção o mais rápido que pôde e, mesmo com a maior necessidade de correr e esconder-se em seus galhos protetores, com um longo suspiro, sentiu a sabedoria do ar contagiando suas emoções, então olhou Serena e lhe disse:
-Eu amo você.
E foi-se em busca do Sol do amanhã.
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𝔅reves ℭontos 𝔓ara 𝔉azer-lhe 𝔖uspirar
Short StoryCada capítulo contempla um breve contexto. Alguns apaixonantes, de esperança, senso de aventura...; outros que vão brincar com seu coração, entre rodopios de solidão e um ar de empatia. O importante aqui é aproveitar cada segundo. Histórias sempre...