O porquê

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Ela estava sozinha porque há tempos não ia ao cinema e pronto, queria aproveitar o pouco tempo de lazer que lhe surgiu.  Entrou na fila da compra de ingressos com três opções de filmes. Ele estava sozinho porque brigou com a mulher e saiu de casa para não esmurrar a parede. Entrou na fila do cinema sem nem saber por quê. Na espera de um cinema lotado num sábado à noite os dois se conheceram. Ele sem pensar no por que puxou conversa com ela.

Ele gostou dela porque achou admirável a imagem de uma mulher independente no cinema. Ela gostou dele e pronto. Juntos, viram o filme, dividiram a pipoca e mais tarde, metade de suas vidas num animado bate-papo. Ele não sabia por que vivia num casamento infeliz. Ela não sabia se estava contente com o que tinha ou com o que nunca teve. Era solteira e pronto.

Ela chocou-se com os relacionamentos que ele construía em sua história pessoal. Mulheres dependentes e carentes afogadas nesses amores patológicos, ameaçadores e violentos. Apesar de ouvir dele muitas reclamações, ele nunca largou um relacionamento. Aos trancos e barrancos, segurava o casal até que a mulher o abandonasse. Ser ameaçado de morte por uma mulher de olhos arregalados, saliva grossa e branca no canto da boca e uma faca de cozinha em uma das mãos também nunca foi para ele, motivo de separação. Isso a fez lembrar que por menos – muito menos – ela terminou tentativas experimentais de relacionamentos amorosos. O último namorado que têve  – e o amava e pronto –  foi dispensado por não achá-lo um homem com decisões firmes.  

Na vida, ele e ela caminhavam em linhas paralelas e se não fosse, sei lá por que, a conversa do cinema, jamais teriam se encontrado. É fato. Ele e ela pertencem a tribos, gerações e mundos inteiramente distintos. Porém, deixaram a guarda esquecida e apaixonaram-se. Sei lá o porquê, mas pronto, estava feito. O que tinham de diferente social e psicologicamente compensavam com a carne. Conheceram-se e tocaram-se por dois meses. E podiam jurar que estavam juntos há anos. Viam-se  – pois precisavam  – todos os dias.

Até que passaram o final de semana juntos e sem que ele ou ela dissessem uma palavra, ele e ela sabiam  – sei lá por quê  – que era aquela a despedida  – não dita  – dos dois.

Nunca mais se falaram. Nunca mais se viram.

De vez em quando ele vai àquele cinema, mas nunca teve coragem de entrar na fila.

De vez em quando ela pede uma pizza de rúcula com tomate seco, a preferida dele.

De vez em quando, ele pára em frente ao prédio dela. Sai do carro, vira-se para ele, apoia-se com ambas as mãos sobre o teto do veículo, e com a cabeça baixa, permite que sua alma seja revistada.

De vez em quando, ela se deixa chorar.

Ele lamenta e não sabe por quê.

Ela conformou-se e pronto. 

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⏰ Última atualização: Jan 31, 2013 ⏰

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