Durante muito tempo, exatos 300 anos, estamos com a mesma raça no poder: humana. Não posso reclamar muito: sou um humano, afinal. Era o ano do Torneio Real, e eu era o escolhido do meu clã, o Clã da Eletricidade. Eu não sabia quem eram os escolhidos dos outros clãs, por isso estava mais nervoso ainda. Meus pais sempre foram muito específicos sobre o que era ser um bom cidadão: seguir as regras, ser submisso ao rei e tentar ser o melhor naquilo que faz. Não sei se concordava, mas não tinha muita escolha. Nunca tive muito contato com outras crianças, e muito menos com outros adolescentes. Quando não estava na escola de meu clã, estava no Centro de Treinamento da cidade fazendo o que me era permitido: treinar para ser o melhor. E, modéstia a parte, eu era. Meu único amigo, Lois, um elfo do mesmo clã que eu, sempre dizia que eu tinha que relaxar. Mas eu não podia. Tinha que me tornar um orgulho para meus pais, e, mesmo que morresse de exaustão, morreria tentando.
— Qual o treinamento de hoje, Esdras? — Lois perguntou, animado. Eu normalmente treinava sozinho, mas aquele era um dia especial. Pressionei minhas têmporas com os indicadores, pensando.
— Vamos explodir alguns vilões, Lois.— eu proferi, animado, enquanto Lois soltava um grito entusiasmado. Após posicionar todos os bonecos-teste, eu e Lois nos pusemos lado a lado. Apontei a palma da mão para o peito de um dos bonecos, segurando o pulso com a outra. Senti o formigamento da eletricidade que corria em minhas veias, senti a ponta dos meus dedos adormecerem e finalmente ouvi o barulho do raio saindo de minha mão. Minha mira, perfeita como sempre, acertou em cheio o peito do boneco-alvo. Lois bateu palmas, se posicionando para fazer sua tentativa. Ele era bom, muito bom. Não melhor que eu, mas acredito que seja porque não se esforçava tanto. Treinamos a tarde toda. Foi agradável passar aquele último dia de normalidade com meu único amigo. No dia seguinte já seria o primeiro dia do Torneio, e eu estava extremamente ansioso, no mau sentido. Suspirei profundamente, arrumando minha mochila. Eu e meus pais iríamos, no dia seguinte, para Lugta (capital de Easriin). Eu confesso: nunca estive tão nervoso em toda a minha vida.
***
Eram quatro da manhã e eu já estava de pé. Ajeitei a gola da blusa, colocando os polegares nos buracos da manga. Montei em meu cavalo, que já estava com minha mochila pendurada em sua cela.
— Esdras. — meu pai chamou, fazendo-me estremecer. Aproximou seu cavalo do meu, segurando meu ombro com uma força desnecessária. — Não espero de você nada menos que o melhor, está me entendendo? — ele disse. Qualquer um que olhasse de longe diria que aquilo era um incentivo, mas estava mais para uma ordem. Eu assenti, sério. Era um acordo tácito que tínhamos em casa: sem sorrisos. Acho que a única vez que vi meus pais sorrindo foi quando eu tinha 7 anos. Lembro-me bem. Eu tinha acabado de derrotar um dos garotos de minha escola em um duelo, fazendo-o desmaiar. Na hora (e até hoje) me senti horrível, mas os sorrisos de meus pais fizeram a sensação sumir. Foi a única vez que me senti querido, amado e suficiente. Alguns dias depois conheci Lois, e, bem, quem supre minha cota diária de sorrisos é ele. Não sabia o que iria fazer sem ele nos dias que se passariam. Meu pai soltou meu ombro, partindo na frente com seu cavalo preto. Minha mãe passou por mim sem me olhar, e eu os segui. Seria uma longa viagem, 4 horas a cavalo.
Fazia algum tempo que eu não me sentia livre. Sempre fui destinado à grandes coisas, segundo meus pais, mas nunca tive muita escolha quanto a isso. E se eu quisesse ser… um cara normal? Não o Esdras Lupster, filho de Paiman e Gerald Lupster, garoto prodígio da cidade de Nasbra. Eu queria ser só o Esdras, integrante do Clã da Eletricidade, que trabalhava na fábrica de armas da cidade. Mas nem tudo é do jeito que queremos, e eu aprendi isso muito cedo. Meu pai sempre foi muito rígido e compenetrado em relação ao meu sucesso. Nunca entendi muito bem o porquê. De qualquer modo, não posso decepcioná-los. Eu vou ser rei. Eu preciso ser.
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Salvação Corrupta
Fantasy𝕷𝖎𝖛𝖗𝖔 1 𝖉𝖆 𝖙𝖗𝖎𝖑𝖔𝖌𝖎𝖆 𝕮𝖔𝖗𝖔𝖆 𝖊𝖒 𝕻𝖊𝖉𝖆ç𝖔𝖘 "O reino de Zaman tem sido governado por humanos há três gerações. As outras três raças (anões, orcs e elfos) estavam cada vez mais insatisfeitas, e, sabendo disso, o rei Caleb planejo...