Londres, 1814.
– Olivia Haddigton, desça já daí! – a dona da voz impaciente tentava alcançar a barra do vestido de Olivia sem sucesso algum, essa última que se mantinha firmemente pendurada no topo de uma árvore enquanto uma quantidade considerável de criados tentava alcançá-la.– Não.
– Olivia, por Deus, não me faça perder a resto da paciência.
– Mas se eu descer agora você vai me bater. – Olivia choramingou, a voz inundada por aquela manha infantil capaz de fazer até a mais carrancuda das pessoas se render, menos a Duquesa Arabella Haddigton, que nos tenros onze anos de sua maternidade já tinha lidado com todo tipo de birra que pudesse julgar inadequado para uma dama, principalmente quando essa dama era ninguém menos que sua própria filha.
Olivia, ciente das nada indulgentes habilidades maternas da Duquesa, se agarrou ainda mais forte nos galhos que a mantinham segura, empurrando com a ponta do pé a mão de sua tutora que, por pouco, não conseguiu puxá-la para baixo.
Arabella suspirou cansada. – Certo, não irei lhe bater. Agora desça. – ordenou outra vez, estendendo a mão para a garota numa espécie de acordo silencioso.
A duquesa não era bondosa a ponto de deixar aquele desatino passar batido.
Olivia sabia disso.
– Mentira, você está fazendo aquela cara de quando me dá castigos.
– Pelo amor de Deus, Olivia! – agora ela estava realmente irritada. – Desça imediatamente.
– Se eu deixar você me bater – como se ela fosse capaz de impedir. – , você me deixaria ficar o resto do dia no meu quarto?
– Não. – respondeu indiferente.
– Então eu não desço!
E assim se passaram mais vinte minutos, até que a Duquesa instruiu um dos criados a trazer uma escada e retirar Olivia de cima da árvore, mesmo que precisasse usar da força.
Após muitos gritos de protestos e também algumas farpas entre os dedos, ela apanhou. E também chorou, como sempre fazia. Por causa de seu temperamento corajoso, mas que para os adultos era visto como impertinente, a pequena Olivia estava acostumada a levar advertências, e ela sempre chorava. E como poderia ser diferente quando sua mãe era tão sisuda quanto ela destemida?
E, então, eis que finalmente recebeu seu castigo, tão logo foi colocada em terra firme outra vez: teria que fazer sala para o jovem Lorde Thomas Grant Richards.
O garoto era o motivo de tê-la feito subir na árvore. Ela o tinha visto uma única vez, quando tinha apenas sete anos e ele doze, e isso bastou para que soubesse que não gostava dele. O rapaz a chamou de abóbora madura demais. Que tipo de criança falava aquilo? Para Olivia, estava mais que óbvio que seu peso tinha sido alvo de mais uma crítica. Eram raras as vezes que alguém não pontuava aquilo como um de seus muitos defeitos. Porque sim, as pessoas achavam que Olivia tinha a aparência e o temperamento como atributos dignos de pena.
Já faziam algumas semanas que seus pais lhe falavam sobre o acordo que tinham feito com os Richards. A papelada consistia em nada menos que seu casamento com Thomas Grant Richards, o primogênito e herdeiro do ducado de Northampton, também conhecido como a última criatura com a qual Olivia desejava compartilhar o resto de sua vida. Ela sabia o quanto seus pais, em especial Arabella, deveriam ter se empenhado para conseguir um acordo como aquele, afinal, eram famílias muito influentes e ligadas uma a outra pela amizade que os duques cultivavam. E, acima de tudo, George Haddigton, seu pai, era um homem especialmente dedicado em garantir que sua única filha fosse capaz de viver dignamente já que o título seria retirado da família assim que partisse dessa para melhor. Portanto, quando George e Arabella comentaram sobre a reunião entre as famílias, que aconteceria naquela tarde, Olivia soube o que deveria fazer para se livrar daquele casamento infeliz: teria que fugir ou dar um jeito de se livrar de Thomas.
A primeira opção havia sido frustrada, já que sua tutora a tinha visto correr em direção as trilhas da propriedade e, ao ser perseguida por uma dezena de criados, Olivia não teve muita opção além de escalar uma árvore.
Havia perdido aquela luta, mas não entregaria a batalha.
Portanto, só lhe restava a segunda opção: se livrar de Thomas Grant Richards.
Quando finalmente os Richards chegaram, Olivia já havia preparado seu pequeno repertório de respostas audaciosas para Thomas e estava sentada em frente ao pianoforte quando os adultos resolveram que seria uma boa ideia deixá-los um pouco mais à vontade e se afastaram até que os jovens tivessem um pouco mais de privacidade para conversarem. E, assim como ela esperava, seu prometido, agora com seus dezesseis anos, lhe dirigiu a palavra de forma petulante.
– Eu não gosto de você.
– E eu muito menos. – ela ergueu o queixo de imediato, levantando-se do assento do piano e ficando de frente pra ele.
Quando se viram pela primeira vez, Olivia era quase do mesmo tamanho dele, mesmo sendo cinco anos mais nova, mas agora, cinco anos depois, Thomas parecia ter dobrado de tamanho e sua cabeça sequer alcançava a dele. Porém, se ele achava que sua altura a intimidaria, estava muito enganado.
– Nós não iremos nos casar. – ele tornou a falar, enfiando as mãos dentro dos bolsos da calça.
– Finalmente algo em que concordamos. – ela devolveu com o nariz arrebitado, colocando as mãos nas costas numa pose de autoridade.
– Você é muito baixinha. – ele continuou, apontando qualquer defeito que fosse capaz de encontrar na garota.
– Você acha? – perguntou atrevida, cerrando os olhos de forma travessa e inclinando a cabeça na direção dele como se estivesse prestes a segredar alguma coisa.
– Sim, eu acho. – ele também se aproximou, baixando o rosto até que seus olhos estivessem na mesma altura que os dela. – E eu detesto garotas baixinhas. – concluiu simplório, numa calmaria que certamente teria irritado Olivia se ela não fosse igualmente geniosa.
Ela sorriu, satisfeita com a confiança que Thomas parecia ter sobre si mesmo. Se ele achava que aquilo a afetava, estava bastante enganado. – E eu detesto garotos burros. – e então, aproveitou a diferença de altura para acertar o queixo dele com o topo de sua cabeça, sorrindo vitoriosa quando o ouviu gritar num misto de surpresa e irritação enquanto levava as próprias mãos em direção ao rosto.
Olivia riu.
Riu tanto que certamente guardaria um pouco daquela felicidade para ocasiões futuras.
Naquela tarde, na qual Olivia jurou a si mesmo que preferiria virar uma solteirona ao ter que casar com Thomas Grant Richards, ela foi castigada e proibida de sair de casa até a semana seguinte.
A partir dali, a pequena Lady Haddigton só tinha uma missão na vida: jamais se permitiria casar com Thomas Grant Richards.
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Um amor arranjado
RomanceOlivia Haddigton era uma solteirona prometida. Seus atributos eram tão comuns como os de qualquer outra jovem solteira de Londres, se não até mesmo menos atraentes, com exceção de seu dote, que valia uma quantia tão escandalosa que deveria fazer qua...