lost in your light

there's a crazy lady in my house

Eu procurava quase em desespero pelas luzes de emergência. O meu celular servia como lanterna, e eu clareava aquela luz forte pela dispensa da minha casa. Por que estou procurando logo na dispensa? Simples. Todos os outros lugares já tinham sidos verificados e eu não encontrei nada. Nem uma vela para quebrar o galho. Eu já estava ficando desesperada, mas não queria admitir. É porque a bateria esse maldito iphone diminuía quase dez porcento toda vez que eu checava a tela. Agora, por exemplo, restavam-me pouco mais de um quarto de bateria.

Eu deveria ter me planejado. Eu sei. Vi no noticiário esta manha que seria realizado uma interrupção do fornecimento de energia elétrica da cidade para reparação nas usinas eólicas ou algo do tipo. Aparentemente, o mal tempo e o pouco vento foram os maiores responsáveis. Se tudo der certo, amanhã cedo voltará tudo ao normal.

Suspirei aliviada quando encontrei as luzes em cima de um armário. Haviam duas. Ambas funcionando perfeitamente e com bateria suficiente. Não faço ideia de como foram parar lá, apesar de morar sozinha.

Voltei para a cozinha e posicionei as luzes de forma estratégica para a ilha de mármore. Meu macbook está ligado, passei o dedo indicador no touchpad e guiei até o ícone da bateria. Ok. Três horas e meia. Deve ser o suficiente. Tem que ser o suficiente.

Eu sou corretora imobiliária a pouco mais de dois meses e meio. Sim, pouco tempo, mas estou me esforçando para ganhar minha primeira comissão. Tive a louca, insana, ideia de oferecer a uma madame riquíssima a venda da casa dela por 10 milhões de euros. Até aí tudo bem, o porém é que aquela mansão vale no máximo, uns três milhões e meio. O pior de tudo, é claro, ela aceitou.

David Nolan o diretor de vendas representante da Nest Seekers aqui na Alemanha, me deu um prazo de duas semanas para arrumar um comprador. Estou correndo contra o tempo, consultando arquitetos, decoradores, e o sei lá mais o que para fazer isso possível.

Mas Emma, por que você ofereceu tanta grana para a madame? Por causa de dinheiro. Mais de 100 mil euros de comissão em apenas uma venda. Em um piscar de olhos. É mais do que o suficiente para pagar a cirurgia do idiota do meu irmão. Idiota. Sim. Porque poderia ser evitado se ele não bebesse tanto. Killian não é alcoólatra, mas sempre exagera. O desgraçado está com cirrose e precisa o mais depressa possível de um transplante de fígado.

Desbloqueei o celular e abri um dos aplicativos de comida. O mapa indicava que no máximo em 15 minutos estaria aqui. Estou morrendo de fome. Suja porque não arrisquei tomar banho na água gelada. Com raiva de Daniel por ter me mantido na empresa por mais de duas horas, conversando, trocando caricias. Ele atrasou todo o resto da minha sexta feira.

Estava lendo um documento do word sobre quais estratégias eu deveria traçar para seguir meu plano quando a campainha tocou. Eu me levantei da ilha da cozinha sorrindo, feliz por comer uma comida quentinha, suculenta. Estranhei chegar tão rápido, mas lembrei que a recomendação do noticiário foi para todos permanecerem em casa, então supus que o trânsito havia diminuído drasticamente.

Abri a porta sem checar o olho magico. Não julguei necessário, já que não esperava visitas.

Gelei e parei de respirar por um minuto. Ou mais. Acho que minha alma foi para o céu e ficou lá mesmo. Meu deus, estou com falta de ar, eu não tenho asma, mas de súbito desejei ter uma daquelas bombinhas na boca.

É ela.

A mulher de David está parada em frente a minha porta. Encontrei os olhos castanhos intensos dela e desejei não ter feito isso. O ar sumiu. Não consegui encarar o peso daqueles orbes e a única coisa que pude fazer no momento foi desviar meu olhar para baixo, fitando meus pés descalços.

— Hallo, willst du reinkommen? — eu perguntei em alemão meio segundo depois. Por incrível que pareça minha voz saiu suave. Respirei bem fundo e pensei comigo mesma que não ia revelar nada, ia dar o meu melhor papel de atriz. As aulas de teatro no ensino médio serviram para alguma coisa eu acho.