Parte 1 - Amor Cego

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Tem algo estranho acontecendo. Minha cabeça está latejando e meus olhos estão pesados demais. Mal consigo abri-los.
Sinto meus pés dormentes. Meus braços estão em uma posição estranha.
Aos poucos vou me dando conta da situação em que estou.
Minhas mãos estão presas nas costas, estou sentado em uma cadeira e meus pés estão amarrados aos pés da cadeira.
Os homens do Aksak me pegaram. Agora a lembrança está mais nítida.
Eu estava a caminho de casa, sozinho no meu carro, quando fui cercado.
Só tive tempo de ligar para Nedim e avisar o que estava acontecendo. Eram muitos homens e eles conseguiram me pegar.
Do jeito que dói,  certamente fui atingido na cabeça e desmaiei.
Espero que Nedim já esteja perto de me encontrar porque estou em uma situação precária.
Não consigo enxergar nada porque meus olhos estão vendados. Nem sequer sei onde estou.
Tento mover minha cadeira, mas ouço um gemido atrás de mim. Só então me dou conta de que não estou sozinha. Pelo gemido, uma mulher está aqui.
- Você está bem? - pergunto
Ela geme de dor de novo. Quando movimento as mãos, percebo que ela está bem atrás de mim, talvez em uma cadeira encostada na minha.
- Você está bem? - repito a pergunta.
- O...onde estou?
- Eu não sei.
A voz dela é suave, apesar de amedrontada. Dizem que quando você elimina um sentido, os outros ficam mais aguçados, talvez por isto a voz dela me pareça tão musical.
- Por que estou toda amarrada? Quem é você?
- Se acalme. Eu vou dar um jeito de nos tirar daqui.
- Você também está preso?
- Estou. Os homens de Aksak me pegaram também.
- Quem é Aksak? O que ele quer de mim?
- Eu não sei o que ele quer de você, mas em breve meus homens nos libertarão. Não se preocupe.
Ela fica em silêncio, mas logo começo a ouvir seus soluços.
- Vamos dar um jeito de sair daqui- digo tentando acalma-la.
- Como? Eu estou toda amarrada, você também, pelo jeito. Eu não sei porque estou aqui, não vi nada, não sei onde estamos.
Eu conheço os sinais de alguém que está prestes a ter um colapso nervoso. Esta moça está quase lá. Eu imagino as coisas que ela está pensando, coisas que podem acontecer com ela. Também estou pensando nelas. Sei bem o tipo de negócio que Aksak tem e sinto pena dela. Se não sairmos daqui logo, certamente terá um destino horrível.
- Olha, vamos conversar um pouco. O que você faz?
Eu tento acalma-lá de novo. Ela me responde com a voz chorosa.
- Eu cuido do meu pai, que é idoso. As vezes cozinho no restaurante do meu amigo.
- Então você é cozinheira. Muito bom. Gosta do que faz?
- Sim. Gosto muito. Cozinhar é um prazer pra mim. Faço comidas típicas da minha cidade natal.
Enquanto ela fala eu tento me desvencilhar das algemas. Não tenho minhas abotoaduras para abri-las, então é impossível. Estou de mangas curtas justo hoje.
- Qual é sua cidade natal? - pergunto esticando o assunto. Ela precisa estar calma para que possamos sair dali. Provavelmente precisarei de sua ajuda.
- Antep.
- Eu nunca provei comida de Antep. É boa?
- É a melhor.
Ela agora fala com um pouco mais de entusiasmo sobre sua terra natal e percebo que meu objetivo foi cumprido.
- Estou vendo que gosta muito da sua cidade.
- É. Sempre me empolgo ao falar dela. Falei demais né? Me desculpa. Acho que estou muito nervosa e não consigo segurar minha língua.
- Eu gostei de ouvir. Não se desculpe. Agora preciso que me diga algumas coisas para tentarmos sair daqui.
- O que eu puder ajudar...
- O que você vê?
- Não vejo nada. Estou vendada.
- Eu também. Suas mãos... se importa se eu tentar desamarra-las?
- Oh não. Por favor.
Tateio cegamente e encontro suas pequenas mãos. Para meu desapontamento ela também está com algemas. Não temos muita chance de sair daquela situação.
- Não da, não é? Estou algemada...
- Não da.
Ouço ela soltar o ar dos pulmões. Nossa situação não é boa. Ah Nedim! Você precisa nos encontrar agora!!!
- Por que te pegaram? - ela pergunta.
- Este homem que nos sequestrou é meu inimigo. Digamos que eu atrapalho o trabalho dele.
- Não entendi.
- Ele é um mafioso. Faz todo tipo de coisas ilegais. Eu já estraguei vários negócios dele.
- Você é policial?
- Não, de jeito nenhum. A polícia é inútil
- Então é um justiceiro. Sua mãe deve se orgulhar de você.
- Com certeza não. Minha mãe me abandonou quando eu era criança.
Eu não faço ideia de porque estou contando estas coisas a ela. Não faz o menor sentido me abrir deste jeito, ainda mais com uma estranha. Mas a cadência de sua voz me embala. Ela me inspira uma confiança que eu não tenho com ninguém. Me acalma, me emociona um pouco.
- Sinto muito
- Não sinta. Foi melhor assim. Me ajudou a me tornar o homem que sou hoje.
Então algo estranho aconteceu. Eu senti sua mão tocar a minha. A eletricidade gerada ali fez meu corpo todo sentir.
Devagar ela buscou minha mão e de um jeito um pouco desajeitado pelas posições de nossas mãos, seus dedos se entrelaçaram com os meus.
A maciez de sua pele contra minha mão calejada é algo novo para mim. Eu não costumo tocar as pessoas e não permito que me toquem, a menos que sejam meus irmãos.
Aquele toque era algo que eu não sabia lidar. Era como um abraço. Sinto meu peito se aquecer, não quero largar sua mão.
- Ainda assim, eu sinto muito e te entendo. Também não tenho mãe. A minha morreu quando deu à luz para mim.
- Sinto muito.
Nós ficamos ali em silêncio por um tempo. Só então percebo que o aroma de baunilha que eu sentia desde que acordei vinha dela. Eu acho que ela tentou virar o rosto para minha direção e seus cabelos balançaram contra minhas costas, o cheiro de baunilha se intensificou com o movimento dos cabelos e ficou no ar a minha volta.
- Qual é o seu nome?
Eu pergunto de repente ansioso demais para saber mais sobre sua vida.
Mas antes que ela tivesse chance de responder alguém entrou no local onde estávamos.
- O que vocês estão fazendo?
Ela diz assustada.
- Soltem ela!!!!- eu grito, desesperado com minha inutilidade. Eles a estavam levando!
Sinto trancos contra as minhas costas. Ela estava lutando para não ser levada.
- Para onde vão me levar??? Quem são vocês?????
- Eu vou te matar, Aksak!!!! Eu vou matá-lo com minhas próprias mãos!!!!
- Não!!! Não!!!!
A voz dela foi ficando distante e a raiva foi tomando conta de mim!
- Aaaaaarrrhhhh
Meu grito de frustração ecoa pelo ar.
Me jogo no chão para tentar quebrar a maldita cadeira. Com esforço consigo liberar meus pés. Esfregando o rosto na parede a venda vai para baixo.
Estou prestes a tentar me soltar quando alguém entra no quarto.
Nedim!
- Nedim! Rápido!! Me solta!!
Nedim me livrou das algemas e eu corri para fora.
- Yaman, espera!
- Onde ela está?
Ele corre atrás de mim, mas vasculho o lugar todo e não há pistas dela.
- Ela quem?
- A mulher que estava aqui.
- Não havia nenhuma mulher, somente os guardas do Aksak, que fugiram quando chegamos com nossos homens. Eu trouxe muitos homens comigo. Eles não tinham a menor chance.
Dou um murro na parede.
- Droga!!!!!
Pra onde a levaram? Quem era aquela mulher???
- Yaman, vamos sair daqui antes que mais alguém apareça.
- Eu preciso encontrá-la Nedim. Vocês não viram ninguém saindo daqui? Não perceberam nenhum movimento estranho quando chegaram? Havia uma mulher aqui comigo. Eles a levaram um pouco antes de vocês chegarem.
- Não havia ninguém, se alguém saiu daqui antes, então provavelmente nos cruzamos na estrada, mas como vamos saber?
- Vamos embora. Eu quero um varredura na cidade. Fale com seus Contatos. Encontre a mulher que estava aqui.
Seus homens procuraram por toda Istambul. Era como se os homens de Aksak e a mulher tivessem evaporado, mas eu continuei procurando. Por dias. Depois os dias se tornaram semanas, as semanas se tornaram meses.
Eu procurei por muito tempo a mulher que estava presa comigo, mas não encontrei. Aksak tinha saído do país e levado seus homens. A mulher era como um fantasma. Depois de meses procurando por ela eu ainda podia sentir seu perfume de baunilha, ainda podia sentir a maciez de suas mãos nas minhas mãos. Podia sentir os dedos delicados entrelaçados com os meus e a voz... a voz ainda estava ecoando na minha cabeça. O jeito doce que ela falava, muito tímida, seus soluços de choro, sua voz desesperada ao ser levada. Tudo isto me atormentou por meses. Eu procurava sua voz em todas as mulheres que conhecia. Procurava seu cheiro em todo lugar. Ela virou minha obsessão.
Quando eu finalmente percebi que nunca iria acha-lá, me fechei em meu mundo de novo. Aquela pequena porta que ela havia aberto para mim estava novamente trancada.
Os anos se passaram e apesar da lembrança constante da mulher eu segui vivendo minha vida.
Muitas coisas aconteceram. Meu irmão Yalcin morreu, depois de uns anos minha cunhada. Eles me deixaram um legado. Meu sobrinho Yusuf.
Minha vida passou a ser dedicada a ele.
Eu estava satisfeito com minha vida. As coisas aos poucos se acalmaram.
Numa manhã eu acordei e estava descendo as escadas da mansão quando de repente algo me tirou o chão.
Não era possível que depois de anos...
Sim, aquela voz era inconfundível, eu jamais a esqueceria. A mulher que procurei por tanto tempo estava em minha casa....
Desci os degraus restantes com as pernas tremendo. Precisei de um minuto para me acalmar, pois finalmente poderia dar um rosto aquela voz que eu nunca tinha esquecido, poderia ver seus cabelos longos que caiam em minhas costas quando estávamos presos, ver a cor dos seus olhos, sentir aquele aroma novamente.
Dei mais alguns passos, respirei fundo e entrei na sala da jantar...

Continua...

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