Minhas mãos, por um instante, enrijeceram. Eu podia sentir aquilo invadindo meu corpo, percorrendo minhas veias e artérias, tornando-me outra. Minha vestes estavam banhadas em suor e minha mente não conseguia se concentrar em nada.
Era o poder.
Eu podia escutar um grito partindo da vila mais longe daquele local como uma pena dançando no céu. As coisas se moviam de forma mais lenta e dentro de mim, nascia o desejo de mais. Eu ansiava por mais, aquilo não podia cessar.
Sorri e levantei-me como se tudo agora estivesse aos meus pés. Nada me deteria, nem mesmo meus medos conseguiriam tal façanha. Olhei em volta e vi que aquela figura sem face continuava me fitando e eu falei sem titubear:
— Quero todos mortos.
Dois dias antes
Faltava um dia para o meu casamento. O meu vestido azul já estava pronto, pois meu pai me presenteou assim que a notícia da realização desse sacramento fora divulgada. Dizia ele que aquele vestido foi repassado de geração em geração pela família de minha mãe. Eu não estava feliz ou ansiosa, na verdade, eu mal conhecia aquele homem que iria me tomar como sua. Aceitava apenas por necessidade, pois minha madrasta sempre me falou que o dever da mulher é obedecer e cuidar da família.
Em meus dezesseis anos de vida, pouca coisa me fora oferecida, mas muito fora cobrado. O meu trabalho era ajudar meus pais na colheita, pois os impostos cobrados pelo senhor feudal eram altos e se nós não conseguíssemos o mínimo, provavelmente não teríamos como nos alimentar.
Meu pai estava pagando a corveia, por isso ele não era muito útil para a nossa família neste momento. Essa obrigação consistia no trabalho gratuito ao senhor feudal durante um certo período de tempo. Fato que diminuía drasticamente a nossa produção, porque meu pai sempre fora o melhor no plantio e colheita.
Eu iria me casar com um primo distante. Ele era quinze anos mais velho e o vi poucas vezes. Apesar de estar indiferente com aquilo, ajudei meus pais a escolher o meu futuro marido, pois nossa família não possuía muitos bens, por isso, não havia muitos pretendentes, pois o dote que poderiamos pagar era irrisório.
Tive sorte por ter nascido bela, pois esse meu primo, nas poucas vezes que me viu, encantou-se por meus cabelos negros ondulados e olhos verdes. Muitos dos vizinhos me chamavam de bruxa e até já fui cogitada inúmeras vezes a ser queimada viva, mas nenhum indício de bruxaria foi encontrado.
Tolos.
São todos tolos.
— Luckard, ajude-me a retirar a mesa – disse minha madrasta.
Assenti com a cabeça e retirei toda aquela sujeira da mesa. Nós tínhamos acabado de orar, embora eu considerasse aquilo uma mentira. Aqueles pedidos não passavam de palavras pronunciadas ao vento, pois ninguém nos escutava. Nós nascemos na miséria e morreríamos na miséria.
— O que é essa marca escura em tua mão, garota? – minha madrasta me olhou assustada.
Olhei para o meu braço, não acredito...
— Que marca? – perguntei.
Ela olhou novamente, segurou meu braço com bastante força, mas nada estava ali. Estava como sempre, branca e pálida.
— Posso jurar que vi uma estrela de sete pontos em tua mão, menina – ela falou, ainda absorta.
— Impressão tua.
Olhei para a janela, o sol já estava se escondendo e a noite logo cairia como uma singela brisa em dias nublados. Ela, a noite, minha querida e companheira de fuga, cujos segredos escondia de um mundo injusto e ingrato. Porém, eu não era hipócrita, muito menos meus ascendentes, nós sabíamos da verdade.
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Direito da Primeira Noite
FantasyCada escolha gera uma consequência, mas o sacrifício deverá ser feito para que o ritual se complete. O poder deverá ser libertado. Entretanto, sua medida deve ser ponderada, pois o remédio se diferencia do veneno apenas na dosagem.