Prólogo

2.9K 63 5
                                    

Sim, todos sabiam que eu era um canalha. Veja bem: eu era,
não sou mais — apesar de ainda sentir os resquícios do velho ho-
mem soprando sobre mim. No entanto, ela estava ali, bem na mi-
nha frente, me olhando fixamente e eu diria quase que... com pena.
Seu olhar me atravessava, me incomodava, mas de um jeito bom.
Eu tomara um fora colossal depois de meses reunindo forças para
falar com uma menina — isso mesmo, ela era só uma menina —, enquanto eu já era um homem de vinte e nove anos e sem nenhuma vergonha na cara. Uma menina que eu fiz sofrer tanto que, hoje, só a lembrança disso me faz sucumbir de vergonha. Sinto nojo de quem eu era, e sinto asco do que fiz com ela um dia. Por causa dessa paixão atrasada — depois que eu já a havia perdido —, fui ao fundo
do poço envolvendo-a em um acidente. Foi quando me dei conta
da loucura que estava fazendo com a minha vida. Naquele momen-
to, eu me sentia seriamente perdido. Não desejava seguir filosofias,
nem religiões. Eu precisava de alguém que me guiasse. E, então, eu
O conheci, e Ele mudou completamente a minha história. Quanto mais eu lia sobre Jesus, mais próximo dEle eu me sentia. Até que
um dia, ao lado de Dante, pronunciei as palavras que revolucionariam a minha vida para sempre: eu acredito. E de repente, me senti limpo, como se tivesse tomado um banho por dentro.
Mas não era essa menina que estava na minha frente agora.
Era uma amiga dela, uma desconhecida para mim. Esta realmente conseguiu me mostrar quem eu era lá no fundo. Alguém que
eu não conhecia, mas que gostei muito de descobrir. Uma pessoa que me lançou em um desafio, mostrando-me uma luz diferente de tudo aquilo que eu chamara de confiança divina.
Sempre fui um cara que teve muitas facilidades, principal-
mente com as mulheres — que sempre se iludem facilmente com
qualquer beleza acima do normal. Veja bem, não sou tão conven-
cido, só repito o que escuto. Mas eu sempre soube me aproveitar
dessa vantagem, que me abriu muitas portas, mas que me meteu
em muita encrenca também. Quantas vezes acabei a noite com
um olho roxo ou deixando a casa de uma mulher pela janela!
Ainda assim, essa beleza me ajudou durante anos. vivi à custa de
uma mulher mais velha do que eu — Amália —, mas não foram
os quinze anos de diferença entre nós que me impediram de me
apaixonar por ela. Eu já era apaixonado, mas por mim mesmo.
Usei muitas mulheres e também fui usado por elas, mas sempre
resguardando meus sentimentos. nunca me fixei em nenhuma.
Tive motivos para não acreditar em uniões estáveis, pois minha vida não foi fácil na infância. Eu era pobre e aturava um bêbado inveterado que se denominava meu pai, mas acho que eu era o pai dele na maior parte do tempo. E minha mãe... Bem, ela
não era a mais carinhosa das criaturas. Eu era doido para fugir
dali, mas graças a Deus segui por um caminho um pouco melhor
dos de muitos caras na mesma situação: resolvi estudar. Achei
uma saída para aquele sofrimento todo e um mundo inteiro se
abriu ao meu redor. Joguei o capelo para o alto no ano de 2005, me formei em letras, com habilitação em Francês, em uma universidade pública. Três anos depois, eu já era professor de lá.
Como disse antes, as coisas foram meio fáceis para mim. Meus
amigos me diziam que eu tinha uma boa estrela. cheguei a morar um ano na França à custa de Amália. Eu achava que era sorte
mas, no fundo, eu sabia que um cabelo loiro, olhos verdes e uma
pele bronzeada me ajudavam um pouquinho. Na verdade, mui-
to. Além de tudo, eu também malhava por horas para ostentar o único orgulho que me restava na vida. Sei como isso soa fútil.
Na verdade, realmente eu era, e fico feliz por poder falar assim
agora: eu era. Além do que, eu também não acreditava em felizes para sempre. Acreditava em confortável para sempre. Mas eu
estava enganado: o “felizes para sempre” existe, mesmo quando
não é do jeito que você imagina.
Então, nos conhecemos assim, em uma festa de casamento.
Depois do bilhete azul de Angelina, que me deixara arrasado, ela
apareceu e me chamou para conversar. Provavelmente, imagino,
por ver o torpor que me abatia naquela hora. No início, eu não
queria ir, queria ficar sozinho para aplacar as minhas dores, mas
seus olhos foram tão gentis que não havia como recusá-los. Então eu fui, e nunca me arrependi dessa decisão em toda a minha vida.

Entre a mente e o coraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora