Capítulo Único

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Mal chego na rua e um carro para à minha frente. É um sedã preto, daqueles luxuosos. O vidro fumê desce lentamente e revela o motorista. Espero um endinheirado de cabelos brancos e olhos cansados, mas sou surpreendida pela imagem de um jovem loiro de olhos verdes. "É meu dia de sorte," penso.

Mas sei que não é sorte. É meu vestido vermelho.

É a primeira vez que o uso para trabalhar. Ele foi presente de um antigo cliente que havia se separado depois descobrir o lado bom vida. O vestido era de sua ex-esposa, que o esqueceu no guarda-roupas quando saiu de casa. Bom para mim, que nunca teria dinheiro para comprar uma peça tão sofisticada.

Algumas pessoas não gostam de roupas usadas. Mas eu não me importo. Além disso, parece que ele foi feito sob medida para o meu corpo. Exalta as partes certas. Esconde as imperfeições. Fico deslumbrante quando estou com ele. Vermelho sempre foi minha cor.

O jovem no carro abre a boca, mas as palavras não saem. Ele gagueja qualquer coisa incompreensível e sei que é sua primeira vez. Já estou acostumada a essas situações. Eu me adianto e explico como a coisa funciona. Ele aceita e eu entro no carro. O garoto está tão nervoso que se esquece de falar do preço. Sobre isso não digo nada, decidirei depois. O valor vai depender de sua performance.

Normalmente só uso meu vestido vermelho às terças-feiras, meu dia preferido na semana. É o dia que escolhi para tirar minhas folgas. O único em que a noite é só minha, usada para o meu próprio prazer. Algumas pessoas gostam das sextas. Outras dos domingos. Mas no domingo eu vou à igreja e não acho que seja certo usar meu vestido neste dia. Se o padre Wilson me visse com ele, me daria um belo de um sermão.

Acordei desanimada hoje e queria algo para me alegrar. Apesar de ser segunda-feira, resolvi abrir uma exceção e coloquei meu vestido vermelho. Pelo visto, uma boa escolha.

Pergunto o nome do meu jovem cliente. "Marcos," ele mente. "Vanessa," digo. Esse será meu nome esta noite. Ele elogia meu vestido e eu devolvo meu sorriso falso número 9: agradecida e sensual. Nós vamos até um motel elegante próximo dali — exigência minha, que ele aceitou sem questionar. — Eu sempre escolho o local de acordo com o cliente. E para este cliente, seria o mais caro.

Antes de chegarmos, penso se deveria usar meu vestido mais vezes para trabalhar. Talvez me traga mais clientes. Quando saio na rua com ele, costumo atrair o olhar de todos ao redor. Homem ou mulher, não importa. O mundo só tem olhos para mim. Não é raro algumas pessoas bradarem elogios ao me ver. Outros ficam simplesmente hipnotizados com a minha imagem.

O tipo de coisa que eu amo ignorar.

Chegamos no motel e vamos para o quarto. O jovem Marcos se deita na cama, ainda sem graça, e eu faço todo o ritual para deixá-lo confortável. Quando finalmente começo meu espetáculo, sou logo interrompida. A porta do quarto se abre de uma vez e me viro assustada para ver quem é. Meu primeiro pensamento é que seja um casal apaixonado que entrou no quarto errado. Mas a imagem dos três homens à porta é suficiente para que eu entenda o que está por vir.

Na noite, é comum encontrarmos alguns tipos perversos de criatura. As que xingam. Essas eu aprendi a ignorar. As que jogam coisas. Destas eu aprendi a desviar. As que batem. Para estas, eu tenho uma surpresinha na minha bolsa. E a pior de todas: as covardes.

Estas últimas nunca estão sozinhas, andam em bando e não atacam diretamente. Como o nome diz, são covardes. Usam truques sujos, como se esconder no porta-malas do carro e atrair seu objeto de desejo enrustido para um quarto de motel. Lá, elas fazem de tudo para afirmar para si mesmas — e para as outras criaturas —, que não são covardes. Mas na verdade, estão morrendo de medo de mostrar o que realmente são.

Tento alcançar minha bolsa, mas ela está longe e sou impedida por uma das criaturas. Consigo desferir alguns golpes que deixarão cicatrizes pela manhã. Mas não sou forte o suficiente para deter os quatro. Tento gritar, mas outra criatura tampa minha boca. A última coisa que vejo é Marcos. Desta vez ele não gagueja para dizer o que sempre dizem: "Vira homem, sua bicha!" Algo acerta minha cabeça, perco os sentidos e desmaio.

Sou acordada por um dos funcionários do motel, que não demonstra surpresa ao me ver. Deve estar acostumado à cena. Minha cabeça pulsa e meu corpo dói. Mas o que mais machuca é ver no espelho a imagem do meu vestido vermelho destruído. Tento não me abalar. As criaturas covardes machucaram meu rosto, meu corpo e até meu vestido. Mas não fizeram um único arranhão na coisa mais importante: na mulher que eu sou.

O funcionário do motel me oferece um roupão para que eu possa voltar para casa. Eu aceito de bom grado e saio rapidamente dali. Amanhã é terça-feira e terei que escolher outro vestido para usar. Me pergunto se as pessoas me olharão diferente com este novo vestido. Me pergunto se algum dia me olharão como realmente sou.

Meu Vestido VermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora