- Sabe o que fazer? - perguntou-me Julie pela milionésima vez.
- Sei, mãe - murmurei do banco de trás do carro, sem ter certeza que ela realmente havia me escutado por causa do vento que entrava pelas janelas abertas fazendo meu cabelo ricochetear no meu rosto. Empurrei os óculos escuros para cima do nariz para impedir que ele caísse. Julie me olhou pelo espelho retrovisor e ergueu uma das sobrancelhas.
- Sei que é difícil, mas você precisa fazer isso por mim, por nós - suplicou ela. Eu odiava quando ela fazia isso. E ela fazia com frequência.
Coloquei os fones de ouvido, escutando AC/DC enquanto Julie nos guiava até Manhattan em direção à casa do meu "doador de espermatozoides", como eu chamava, ou "pai", como preferia dizer Julie. Kiran Dries era meu pai por genética, mas não por escolha. Ele engravidou minha mãe quando eles estavam na faculdade e depois desapareceu do mapa. Julie o encontrou e ele me registrou no cartório como sendo sua filha, mas depois foi embora de novo.
Todo ano no meu aniversário ele me mandava presentes com um cartão me desejando felicidades. O cartão era sempre impresso e nunca tinham a assinatura dele. Talvez Julie tenha falado de mim pra ele e ele tenha ficado com medo de que eu usasse sua assinatura para conseguir alguma coisa ilegal. Ou talvez nem era ele que mandava os presentes. Talvez ele tenha seus subalternos. Como eu tinha os meus na escola.
- Você vai gostar dele.
- Do mesmo jeito que você gostou? E depois ele te abandonou quando você mais precisava dele?
Pelo espelho retrovisor pude ver o rosto de Julie esquentar, eu não sabia se era por raiva ou por mágoa, mas não quis perguntar. Eu era assim, nunca me importei realmente com os sentimentos das pessoas. Eu sempre fora tão distante quanto Kiran, só que a diferença era que ao mesmo tempo eu estava presente e ele nunca esteve. Nem mesmo por foto eu o conhecia. Nunca o tinha visto em toda minha vida. E agora minha mãe estava me obrigando a passar o verão na casa dele.
Que estranho o jeito que minha mãe decidiu nos apresentar: ela iria apenas me deixar na frente do prédio onde ele mora e iria embora. O resto ficaria comigo. Pelo menos ele sabia que eu estava a caminho, então já podia se preparar para se decepcionar.
Mais vinte minutos na estrada, eu nem percebi quando o carro parou e um garoto mais ou menos da minha idade abriu a porta pra mim. Saí do carro e sorri pra ele. Acho que se eu me esforçasse eu poderia ser bem-educada e agradável e assim não me expulsariam logo de cara.
Percebi que Julie continuava no carro, ela se inclinou para me olhar pela janela do carro enquanto eu esperava o jovem rapaz tirar minha única mala do porta-malas.
- Eu te ligo hoje à noite. Por favor, se comporte - disse-me ela com uma expressão preocupada no rosto. Achei que ela mudaria de ideia e me tiraria dali, mas assim que a mala foi colocada ao meu lado e o porta-malas fechado, ela foi embora sem nem se despedir de mim. Como eu, Julie odiava despedidas.
Entrei no edifício puxando minha mala com uma das mãos e segurando o celular na outra. Fui até a recepção e encarei uma loira muito bonita com o cabelo preso em um rabo de cavalo e brincos de argola.
- Pois não, posso ajudar? - perguntou-me ela.
- Eu queria saber qual o apartamento do meu pai - quase me engasguei ao dizer aquela palavra, mas eu tinha que ir me acostumando.
- Sim, e qual o nome dele?
- Kiran Dries - respondi.
A loira arregalou os olhos, depois franziu o cenho.
- Eu não sabia que o senhor Dries tinha filha, muito menos uma da sua idade - ela teve a cara de pau de comentar e depois, se arrepender amargamente, sabendo que, por eu ser filha dele, eu contaria isso a ele. Ela gosta dele, esse pensamento passou pela minha cabeça e eu pude impedir que ela saísse pela minha boca.
- Há muitas coisas que você não sabe sobre ele - disse eu apenas.
Suas bochechas coraram e ela baixou a cabeça, olhando para a tela do computador.
- Vou ligar para avisar que a senhorita está aqui - informou-me ela.
Assenti com um aceno de cabeça e apoiei o braço no balcão da recepção. Ela pegou o telefone, digitou um número e esperou.
- Bom dia, Martin. Eu gostaria de avisar a chegada da filha do sr. Dries - ela esperou alguns segundos antes de continuar. - Sim, ela estará na recepção o aguardando. Tenha um bom dia - então desligou o telefone. - A senhorita deve aguardar aqui embaixo até que alguém venha buscá-la.
Ela me deu o sorriso mais falso que eu já vi em toda a minha vida e apontou para um conjunto de sofás do outro lado do saguão. Fui puxando minha mala até o sofá e me sentei pesadamente. Fiquei olhando umas revistas velhas de moda até alguém sair do elevador e vir na minha direção.
Fiquei em pé e segurei minha mala com a mão esquerda. Um homem de meia idade com a cabeça raspada e vestindo um terno preto parou à minha frente.
Antes que eu pudesse perguntar se ele era meu pai, ele disse:
- Senhorita Dries, meu nome é Martin, sou o guarda-costas de seu pai. Ele me pediu que viesse te buscar – ele tentou sorrir, mas parecia que não fazia isso com frequência, pois seu sorriso mais pareceu uma careta.
Ele se virou e caminhou até o elevador. Segui ele depressa antes que as portas do elevador se fechassem. Ele nem percebeu minha total falta de graça, apena encarava o próprio reflexo nas paredes do elevador. Mordi o lábio enquanto subíamos até o último andar. O elevador se abriu e Martin saiu na frente, puxei minha mala para fora, para um hall com uma mistura de moderno e antigo. Havia quadros estranhos nas paredes, uma mesa redonda com um vaso de flor e um lindo lustre. Demos à volta na mesa e Martin abriu as portas duplas que davam entrada para o apartamento.
Mais quadros estranhos, tapetes peludos, sofás escuros, uma mesa de jantar enorme com alguns vasos de flores em cima, janelas que tinham vista para a cidade... tudo muito bonito. E caro. Eu tinha certeza que se vendesse pelo menos um daqueles quadros na internet ganharia um bom dinheiro, mas eu tinha que lembrar que minha mãe estaria de olho em mim, mesmo lá de Portland. E que se eu fizesse algo desse tipo, ela saberia.
Olhei em volta e vi uma mulher de meia idade olhando para mim com um sorriso no rosto. Seus cabelos castanhos, mas já com uns fios grisalhos, estavam presos em um coque e ela vestia um terninho cinza.
Ela se aproximou de mim e estendeu a mão.
- Olá senhorita Dries. Me chamo Lynn, sou a governanta do seu pai – se apresentou ela. Apertei em sua mão e forcei um sorriso.
- Prazer em conhece-la Lynn. Onde está o meu...pai? – engoli em seco e recolhi a mão, segurando a alça da minha mala com força. Eu estava começando a me sentir sufocada ali, mesmo tendo bastante espaço à minha volta para eu respirar. Parecia que as paredes estavam se aproximando e meu coração se acelerava a cada segundo que se passava e eu não via Kiran.
- Ele está no escritório. Quer que eu o chame? – perguntou ela, ainda com aquele sorriso no rosto que estava começando a me irritar.
- Só me diz onde é e eu mesma vou lá falar com ele.
Ela umedeceu os lábios e olhou para além de mim, apontando para uma porta perto da escada. Agradeci e comecei a ir lá, carregando a minha mala.
Nem bati na porta, apenas entrei.
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Meu último verão
Short StoryEla passou 17 anos sem conhecer o pai e agora ela precisa passar um verão na casa dele. Kiran deveria ser um homem sério, logo que é empresário, mas ele é jovem e não sabe lidar com a adolescente que se mudou para seu apartamento. Ele engravidou a m...