03 de Agosto de 1950
À medida em que a escuridão noturna aos poucos cobria a extensão antes azul celeste, o sol também se punha além do horizonte. O carro de combate levava a última leva de recrutas até Incheon, a oeste de Seul.
A guerra entre as Coreias havia explodido, oficialmente, há pouco mais de quatro semanas, quando as tropas norte-coreanas avançaram abruptamente em direção ao sul capitalista, depois de dois longos anos respeitando as fronteiras imaginárias entre os dois governos.
Doze soldados eram espremidos na caçamba apertada do veículo. Enquanto alguns tiravam proveito da longa viagem para contar histórias ou mesmo tirar cochilos de curta duração, outros dedicavam orações a todos os tipos de deuses e figuras divinas. Park Jimin, no entanto, era uma exceção a ambos os grupos. Com as pernas praticamente penduradas para fora da lataria escura, os olhos sem brilho estavam silenciosamente fixos aos destroços que se amontoavam em pilhas terrivelmente intimidadoras.
Entre os rapazes que lhe faziam companhia, no auge de seus dezenove anos, ele parecia estar entre os mais jovens. Olheiras escuras contornavam a região abaixo de seus olhos, e os lábios carnudos eram adereçados por rachaduras profundas, provocadas pela desidratação contínua. Com água e comida escassas, incapaz de dormir confortavelmente durante todos aqueles dias, Jimin percorreu aproximadamente seiscentos quilômetros com pessoas que mal conhecia. Ainda que o trajeto não fosse propriamente demorado, os desvios de rota acabaram por naturalmente prolongá-lo.
As mãos de pele áspera guardavam uma foto menor do que o tamanho de um punho. Com rasgos superficiais nas bordas, gravava a imagem de um casal ainda jovem. A mulher segurava um bebê recém-nascido, gentilmente embalado numa manta estampada em xadrez. Aquela fora uma das fotografias tiradas na cerimônia de casamento de seus pais, e a única que conseguira resgatar antes de abandonar à força não somente os bens materiais e sua família, como também a cidade em que viveu desde o seu nascimento.
Ele se lembrava de cada pequeno detalhe — e como poderia ser o contrário, afinal?
Tudo começou quando ele traçava o caminho de volta pra casa.
Ainda era fim de tarde quando o céu repentinamente foi tingido por rastros cinzentos. O som aterrorizante dos bombardeios quase levou-o à surdez enquanto ele era levado pela multidão ao centro da cidade. Antes disso, os programas de rádio já noticiavam a invasão preocupante e inesperada no primeiro limite da fronteira que dividia as polaridades políticas. Com explosões aéreas, o Exército norte-coreano pouco a pouco fez com que o povo sul-coreano recuasse em emergência até o extremo sul da península, em Busan.
Foi em questão de minutos que Jimin teve de dar adeus a tudo o que conhecia e amava. A única decisão cabível parecia ser a de se juntar às forças armadas, na esperança de que assim pudesse buscar pelos pais e manter a si mesmo vivo por mais algum tempo. O processo seletivo levou pouco mais de uma semana, e, ao ser convocado, ele pôde finalmente deixar o abrigo subterrâneo e voltar à superfície.
Desde então, tudo o que ele enxergava era cinza. Sem fazer ideia do paradeiro de seus pais, continuava agarrado àquele único objeto capaz de reavivar em seu coração alguma espécie de conforto e esperança.
No mais profundo de seu íntimo, contudo, ele sabia que havia restado pouca coisa.
As camadas de pedregulho imperfeitas que revestiam o solo causavam impacto nas rodas do carro, e o sobressalto impiedoso lhe fazia doer as costas. Com um último baque, o veículo finalmente foi estacionado e os novos soldados receberam a ordem de descer.
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Sol Poente
FanfictionNo verão de 1950, a Coreia do Norte inicia um conflito armado contra a Coreia do Sul após uma série de bombardeios que devastaram a zona capitalista. Dois meses depois, Park Jimin, no auge de seus dezenove anos, é recrutado às pressas como um dos so...