Inglaterra

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BRENDA

Estou sentada há meia hora na frente do computador. Olho para a tela, incrédula, querendo duvidar das palavras escritas no e-mail corporativo enviado para toda a minha equipe. Eu deveria estar feliz, não deveria? O projeto pelo qual lutei por quase um ano foi aceito e está sendo implementado. Só que tem um problema: está sendo implementado em Leeds e eles querem que eu vá para lá.

A Inglaterra e eu temos um relacionamento ruim. Se puder analisar meu caso com o país, diria que nos divorciamos mal e ainda carregamos muita mágoa. Talvez a Inglaterra já tenha me perdoado, mas eu não sei porque nunca mais falei com ela. Voltar à Inglaterra significa ter que enfrentar esse desafio, o de retomar um diálogo com meu ex. E não é qualquer ex, é um ex trágico que deixou marcas indeléveis sobre mim.

Há outro problema, quase ninguém no Brasil sabe disso. As pessoas com quem trabalho e meus amigos e minhas amigas não sabem do meu passado doloroso. Nem mesmo Júlia, a amiga que fiz no primeiro dia em que cheguei e para quem declarei amor e pedi para viver uma amizade eterna. Só não coloquei um anel no dedo dela porque amigas não fazem isso. Ainda. De resto, eu a tenho como melhor amiga para a vida. Não sei como reagirá quando, e se, souber sobre a Inglaterra.

São as mãos de Júlia que tocam meu ombro.

— Você está bem?

Ergo o olhar e percebo que todos e todas estão olhando para mim. Por algum motivo, minha paralisia causa confusão nas pessoas que trabalham comigo, já que não costumo passar mais do que cinco minutos sentada. Algo em minha expressão de espanto trágico também deve ter assustado.

— Provavelmente não — confesso. Sei que logo terei que começar a confessar coisas. Sinto que estou em uma sala algemada, torturada e que conseguiram, depois de muito tentar, me encurralar. Estou no ponto sem retorno, quando as pessoas estão prestes a descobrir aquilo que tentamos manter escondido. — Vou ficar.

— Estressada por causa da viagem? Está com esse e-mail aberto há um tempão e só olha para as letras na tela.

— Sim, é por causa da viagem — levanto-me. — Preciso de um café, não consigo mais ficar aqui.

Vou até a cozinha. O espaço é um refúgio definido em um cubículo de poucos metros quadrados com alguns armários, uma geladeira, um microondas, uma mesinha e uma cafeteira. Temos muito amor pela cafeteira. Quando estamos cansados e precisando recarregar as baterias, é ali que nos encontramos. Sirvo-me de uma caneca de café preto e me sento, encarando o nada branco da parede.

Pode ser que não seja uma desgraça. Tenho a chance de convencer Marcos de que não sou a pessoa adequada. Se ele me ouvir dizer que outros funcionários podem fazer melhor do que eu, talvez acredite e me poupe da viagem. Se ir for inevitável, posso passar ilesa pelos seis meses de contrato. A quem estou querendo enganar? O contrato é com o Leeds United e meu relacionamento com a Inglaterra só deteriorou exatamente por causa do Leeds. Essa convergência de tragédias do passado em um só evento está me fazendo acreditar que estou sendo punida por tudo de errado que já fiz na vida.

— Pensei que você seria a pessoa mais animada desse escritório, hoje — Júlia vem atrás de mim. — Vamos ficar seis meses na Europa, Brenda! Seis meses! Daremos vida ao seu projeto, à sua ideia! Esse não era o seu maior sonho? Que bicho te mordeu?

Olho para ela e respiro profundamente. O cheiro de café me avisa: está na hora de falar alguma coisa.

— Júlia, — sento-me e indico que ela deve se sentar à minha frente. Minha amiga já está me achando muito estranha, então decide atender ao meu pedido. — tem duas coisas que você precisa saber sobre mim. A primeira é que já morei na Inglaterra. A segunda é que tenho um ex-noivo por lá.

TAYLOR (degustação - na Amazon completo!)Onde histórias criam vida. Descubra agora