19 DE AGOSTO DE 2002.
Eu estou sentada na primeira fileira do cinema. O local parecia estar em completa inércia, imune as badaladas do relógio da sacristia, ao dinheiro dos mais afortunados da cidade, aos jovens apaixonados e seus risos importunos. Ou, talvez, ele não fosse imune, mas sim amaldiçoado, como metade dessa maldita cidade. Quiçá, as fileiras de cadeiras sozinhas e o vazio, ocos de indivíduos, não fossem merecedores de ouvir o cintilar suave das badaladas rítmicas do tempo sagrado que se encontra a poucos quilômetros do centro, tornando-se tão detestável que nenhum homem seria tolo o suficiente para jogar fora seu dinheiro nessa sessão, assim como os jovens apaixonados não desperdiçariam seus beijos nas fileiras dos fundos, pois sabiam que o agouro chegaria até eles em um curto período de tempo. Porra, como eu gostaria que as minhas conspirações insanas fossem verdades! Como eu desejava que houvesse uma maldição para que essa pudesse ser a explicação por nenhum deles terem aparecido, como um álibi perfeito que eu aceitaria sem ressalvas. Mas, sendo objetiva, a sessão 10, embora ela pudesse parece imune a tudo e a todos, não tinha nenhuma metafisica macabra ou superstição funestas cercando sua história, hoje ela está vazia pela falta de importância no evento principal, sendo digna de apenas uma presença: a minha. Uma garota perdida na sua própria mente, mastigando pipocas caramelizadas que produzem um barulho crocante seguido de um isopor raspando aos dentes, sendo esse mesmo barulho intercalado com o som da suave voz de Gloria Swanson, o que era uma quebra da harmonia instalada, como uma afronta em entrelinhas. "É fodidamente triste", murmuro após retirar os resquícios de sal entre meus dedos ao pensar em uma nova proposta. Agora não em busca de desculpas para a falta da presença deles, mas para que eu mesma conseguisse lidar com meu ego, com a vergonha de estar consumida em meio as poltronas em um dia tão importante. Isolada, sem bando, da mesma maneira que uma nova espécie é catalogada por cientistas que chegam a conclusão que ela está em extinção. Eu estava em uma porra de extinção? Ou, pior, eu era um defeito da natureza que meus iguais rejeitavam?
Eu queria que fosse diferente, que essa situação embaraçosa pudesse virar algo engraçado, algo que eu contaria para meus filhos e netos, para meus futuros novos amigos, para desconhecidos que eu encontraria em um bar numa nova cidade e, talvez, quem sabe, isso se tornaria menos solitário. Um rumor que funcionaria como um band-aids para essa cicatriz, uma mentira tão pontuada que eu mesma passaria a acreditar nela por osmose social. Eu poderia espalhar pela cidade que aluguei a sessão inteira somente para mim, proibindo a entrada de qualquer um, esbanjando o poder que nunca tive - e que todos sabem que eu nunca tive. Sei que seria como aqueles rumores que ninguém pressupõe de onde surgiu, mas que todos desconfiam que seja mentira pela falta de veracidade. Ninguém seria ingênuo para acreditar que essa sala estaria vazia porque eu desejei que ela tivesse e não porque um filme em preto e branco, de 1950, não fosse entediante o bastante para que quase noventa e cinco por cento da população de Brighton não comprasse ingressos. Mesmo que esse filme possuísse um roteiro brilhante, quem além de mim se encantaria por uma longa-metragem tão antigo? A resposta é óbvia: nenhuma pessoa, não nessa cidade! O que me faz induzir por um instante que não é o cinema que é amaldiçoado, são as pessoas. E, sejamos sinceros, quem seria estupido a ponto de acreditar que uma garota optou por ficar sozinha em uma data que, teoricamente, deveria ser a mais importante do ano? E, mesmo que alguém acreditasse, ou mesmo que fosse verdade, não soaria como algo melancólico demais estar sem ninguém no dia do seu aniversário?
– Moça? – uma voz espessa ecoa pela sala, fazendo com que meus olhos levantem em direção ao telão antes mesmo que eu possa olhar para trás. Percebo que os créditos finais do filme estão passando em um letreiro iluminado, com suas fontes destacadas na escuridão. Eu sabia que o cinema estava na hora de fechar as portas, portanto me levanto para que o homem não tenha o trabalho de me chamar mais uma vez, mas acho que isso não é o bastante, porque ele sente a necessidade de anunciar o que eu já tinha notado. – São onze e meia, precisamos fechar.
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A Metáfora Semeada
TerrorEm Brighton, Estados Unidos, após nenhum de seus amigos aparecerem para comemorar seu aniversário, Gracie Sloash assiste um filme sozinha em uma sessão de cinema. Se sentindo péssima pela falta de consideração de seu grupo, na volta para casa, ela d...