para você, de alguns anos do futuro

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Para você, de alguns anos no futuro

Estou admirando a vista da janela, o dia parece bem ensolarado hoje. Os pássaros estão cantando baixinho, as nuvens no céu vagueando lentamente pelo vasto e infinito azul. Fiquei batendo a caneta na mesa até ter uma ideia por onde começar todos os lamentos que sufocam a minha mente. Sinceramente, não sei se isso me ajudará a lidar com todas as dores que moram em meu coração nem todos os outros sentimentos que não nomeei.

Farei o melhor que puder para ser sincera comigo mesma.

Já faz um ano desde que vi Eren pela última vez. Um ano que o matei para salvá-lo de si mesmo e terminar sua jornada para a liberdade; para salvar o resto de uma população inocente e trazer seu legado para a história do mundo. Já faz um ano que não pego em armas, não utilizo as DMTs pela cidade, não vejo a cor do sangue vívida em meus companheiros, não monto guarda no meio da noite no meio de florestas... que não uso minha força para matar Titãs.

Mas tudo isso está de volta quando durmo.

Acordada, nessa vida real e ainda estranha, não me acostumei com a calmaria e silêncio, parece que meu corpo sempre está em guarda. Afinal, foram dezenove anos vivendo para uma guerra, procurando por respostas para o mistério além das muralhas.

Livre em um mundo sem estar cercada por elas, ironicamente não sei por onde começar.

Eren e Armin provavelmente já teriam partido para conhecer o resto do mundo com o mesmo entusiasmo de crianças. Mesmo que minhas dúvidas e prazeres também envolvam a filosofia humanista deste universo, esta velha e pálida Mikasa não sente nenhuma vontade de sair de casa.

Agora, jaz uma mulher de vinte anos um pouco mais magra e com os cabelos compridos que olha frequentemente seu reflexo no espelho do banheiro e se pergunta qual parte da sua vida realmente foi vivida. Com esse corpo treinado, cheio de marcas e constantemente dolorido, antes usado para encarar qualquer obstáculo por quem amava agora parece tão frágil, se tornou tão inútil. Eu me tornei tão inútil.

Por quem eu amava.

Antes que você, minha pequena e doce Mikasa de nove anos que adorava vestidos e chapéus, ou você, minha jovem e fria Mikasa de quinze anos que nem lembrava como era estar em um ambiente silencioso e em paz, se pergunte a razão de sua futura figura estar escrevendo uma ridícula carta para sua própria consciência, eu direi. Eu direi que na noite passada, talvez houve um vestígio de outra realidade onde Eren encontrou uma maneira de sobreviver em meio ao caos de suas responsabilidades e por seus dons de Titã Fundador, me enviou uma mensagem para dizer que vencemos. Talvez uma lembrança apagada florescendo naquele mundo que Eren moldou para mim em nosso último contato... ou apenas um sonho. Um simples sonho que minha mente quer me convencer que foi real. Um sonho tão real que vivi como se fossem dias.

Se é parte do processo de luto, fragmentos de traumas e estresse pós-traumático, realmente não sei dizer. Nem imaginava que eu poderia ter tantas sequelas desse jeito. Sequer sabia que há estudos tão profundos sobre nossas emoções. Em Marley é tudo tão avançado. Seja como for, esse sonho acendeu o resto da minha consciência e coração com apenas sua delicadeza. De uma maneira que somente Eren Yeager poderia realizar.

Mas antes, você deve estar se perguntando em que situação estou vivendo. Visto que minha cabeça está criando imagens e tenho tanto tempo para escrever cartas ridículas. Por incrível que pareça, voltei para minha casa de infância, aquela que morava com os meus pais. Sozinha, consertei os buracos, troquei os pisos e janelas. Fiz um bom trabalho, de tanto que Hange-san nos fez trabalhar na época que Eren era apenas uma cobaia para seus experimentos e curiosidades sobre os Titãs, aprendi o uso de muitas ferramentas. Me peguei dando um sorriso saudoso ao escrever isso. Tempos tão horripilantes como aqueles, aqueles pequenos momentos que podíamos ser crianças...

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