A APOLOGIA DO AUTOR PARA ESTE LIVRO

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Quando, de início, tomei a pena na mão
Para assim escrever, não tinha compreensão
Que deveria compor um livro acabado
Como este; não, outro tinha eu iniciado,
Mas, quando estava quase pronto,
Antes de perceber, me veio este conto.

E assim foi: eu, escrevendo sobre o modo velho
E a raça dos santos, nesse dia do nosso Evangelho,
Comecei repentinamente uma alegoria
Sobre o caminho da jornada para a divina alegria,
E mais de vinte coisas defini.
Feito isso, mais vinte antevi,
E, de novo, começaram a se multiplicar
Como faíscas que do fogo saltam a voar.

Não, pensei eu, se surgem tão rapidamente,
Devo, então, pô-las de lado veementemente
Para que não se multipliquem ad infinitum a corroer
O livro que estou pronto para escrever.

E assim fiz eu. No entanto, evito
Mostrar ao mundo meu escrito.
Nunca pensei em esta história contar
Apenas para meu vizinho agradar.
Não, não eu. Lancei-me neste ofício
Para meu próprio benefício.

Nada fiz eu, então, a não ser as estações passar
A escrever. Tampouco queria algo conquistar
Além de distrair-me com essa tarefa
De pensamentos torpes, como aqueles de quem blefa.

Deste modo, deixei correr a pena sobre o papel,
E, célere, meus pensamentos registrei de modo fiel.
Agora, com meu método aperfeiçoado,
O texto vinha sem precisar ser buscado.
E assim, redigi o livro até ele ficar
Do tamanho e da largura que agora está.

Bem, quando, então, o livro terminei,
O texto a outros mostrei
Para ver se o condenavam ou o aprovavam.
E enquanto alguns gostavam, outros condenavam.
Alguns disseram: "John, publique", e outros, "não!";
Alguns disseram: "é bom", e outros, "é uma negação!".

Então eu não sabia bem o que fazer,
Qual seria a melhor coisa a empreender.
Pensei: para que o problema seja superado,
O melhor a fazer é ter o texto publicado.

Pois, pensei, alguns assim o fariam,
Mas outros desse modo não se arriscariam:
Assim, para ver se era melhor publicar,
Resolvi o conteúdo testar.

Ponderei ainda mais, não posso negar,
Que muitos que o leriam desejavam meu azar.
Na dúvida, movi esforço que impediria
Aquilo que para alguns traria grande alegria.

Aos contrários à sua publicação,
Eu disse: não vos ofendais com a edição.
Esperai de vossos irmãos o parecer
Para que, então, possais ver.

Se não quiserdes ler, deixai-o em paz;
Afinal, alguns preferem azul; outros, lilás.
Sim, para que os pudesse acalmar,
Eu assim me pus a reclamar:

Não posso escrever nesse estilo?
E com esse método, revelar ao pupilo
Minha boa intenção? Por que não pode assim ser?
Nuvens claras, tempo bom; e as negras fazem chover.

Mas negras ou claras, se suas gotas de prata
Ao cair na terra produzem o verde da mata,
Agradecei a ambas e delas não reclamai;
Valorizai a colheita que desejais que a planta derrame.

Assim, a planta mescla ambas em seu fruto
E ninguém as distingue: à planta só importa o usufruto
Quando tem fome; mas quando está cheia,
Vomita ambas, e o que produz é como areia.

Observai os meios que o pescador emprega
Para o peixe apanhar: o produto que ele entrega.
Vede como ele usa todo seu conhecimento;
E também rede, isca, anzol e todo equipamento.

Mas há peixes que nem anzol, nem linha, os pode pegar;
Nem rede, nem armadilha os pode capturar.
Esses devem ser buscados e incitados,
Ou, do contrário, não serão apanhados.

O peregrino (1678)Onde histórias criam vida. Descubra agora