Intention

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Eu tentei me concentrar no conteúdo da aula que estava sendo ministrada. Sabia o quanto eram inadequados os rumos dos meus pensamentos, mas depois de tanto tempo eu sequer tentava controlar. Só precisava aceitar que minha mente era incapaz de funcionar racionalmente com a presença dele no mesmo ambiente. Ou mesmo no mesmo mundo. Eu não conseguia mais pensar de forma clara, porque ele estava em todos os meus desejos.

Só havia um problema, ou dois. Ou milhares. Eu era casada. Ele também era casado. Ele era o Imperador do Brasil. E eu deveria ensinar suas filhas à serem princesas perfeitas. E o que eu imaginei ser uma oportunidade incrível de trabalho se tornou a maior tortura da minha vida.

Tudo havia começado há pouco mais de um ano e meio. A Princesa Chicá, irmã do Imperador, havia escrito uma carta para mim informando que indicaria o meu nome para a preceptoria das princesas. Os negócios de meu pai estavam instáveis e nada me faria mais feliz do que contribuir com o futuro da monarquia no Brasil. Uma daquelas meninas seria a futura Imperatriz do país, e se eu tinha uma chance de torna-la impecável, eu faria.

A carta de Dom Pedro II era polida, direta e clara. Eu jamais imaginaria que naquele momento o meu destino estava sendo modificado, e não apenas a respeito da cidade onde eu viveria ou do que faria no meu dia a dia. E se eu soubesse, teria feito uma escolha diferente? Nem mesmo noites perdidas naquela questão foram capazes de elaborar uma resposta satisfatória.

Eu fui arrebatada por ele no primeiro instante, e hoje sabia disso. Quando nossos olhos se encontraram naquele primeiro jantar, eu já estava perdida. Ele me observou atentamente durante toda a noite, incapaz de tirar os olhos de mim. E eu de tirar os olhos dele. Era como se ninguém mais existisse, mas se aquilo deveria ter me feito sentir qualquer culpa ou desconforto, não foi o que aconteceu.

Depois desse dia, nós planejamos juntos todas as atividades das princesas. Conversamos sobre nossos gostos pessoais, sobre livros preferidos, hábitos, sonhos. Pedro era um homem de tirar o fôlego, apaixonante em tudo o que fazia ou falava, em todos os seus modos. E eu me apaixonei. Como nunca antes. Mesmo depois de tantos anos vivendo entre nobres, conhecendo diferentes pessoas, foi naqueles olhos claros e naquela voz mansa que meu coração foi vencido.

Eu o odiei por isso no começo. Quis me afastar, quis voltar para a França, mas no final das contas, não havia nada que eu pudesse fazer para fugir daquele sentimento. E nada que pudesse fazer sobre aquele sentimento. Eu nem mesmo sabia se Pedro sentia alguma coisa por mim.

Bem, alguma coisa ele sentia. Eu podia ver sua respiração acelerar quando eu entrava no cômodo. Os olhos dele me seguiam como se ainda estivéssemos naquele primeiro dia. Ele buscava motivos para falar comigo, pedia minha opinião para assuntos que nem eram da minha alçada. Mas sempre com o maior respeito possível. Nunca cruzando nenhuma linha.

Era tolerável no começo, eu confesso. Como se ter aquela conexão intelectual com Pedro fosse suficiente para acalmar meu sentimento. Eu era, afinal, a preceptora de suas filhas, e mesmo se fosse correspondida não haveria nada o que fazer. Mas há um limite do que se pode tolerar, e o meu estava chegando.

Agora era impossível não imaginar a voz de Pedro me falando coisas proibidas. Era impossível observar suas mãos gesticulando sem imaginar como seria senti-las no meu corpo. Ver seus sorrisos e não querê-los para mim. Eu estava constantemente no limite da sanidade quando o assunto era o Imperador.

Eugênio, meu marido, havia embarcado para a França alguns meses atrás. Ele sabia que eu não o amava como antes, mesmo sendo incapaz de me fazer admitir quem era o dono dos meus pensamentos e sentimentos. E a partida dele havia me feito vulnerável de muitas maneiras. E me deixado incontrolável de muitas outras.

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