Quem poderia imaginar?

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São 4:50 da manhã.
Após conferir o relógio na mesa de cabeceira umas cinco vezes, em um intervalo de tempo de 2 minutos, suspirei. É, pelo visto a rotina de insônia voltou.
Isso tem acontecido muito nos últimos 3 meses.
Os psicólogos dizem que é um aspecto de estresse pós traumático.
Quem poderia imaginar? - pensei com amargor.

Flashback on

Amanheceu um dia lindo de sol, causa do meu despertar. Rolei na cama e conferi a janela - bufei - devo ter deixado as cortinas abertas ontem à noite, sem perceber.
O que era no mínimo estranho, já que sou uma pessoa bastante metódica desde que me conheço por gente.
Após uns instantes de raciocínio, me recordei do provável  motivo que ocasionou o esquecimento.
Após me despedir de Kei e entrar pra dormir, senti um mau pressentimento, aperto no peito, como um mau agouro.
Ora essa - pensei - devo ter virado bruxa e não me dei conta.
Fui até o espelho conferir se algum chapéu pontudo estava no topo da minha cabeça - ri sozinha de minha própria idiotice.
Espantei tais pensamentos mas a sensação não deixou de me assombrar, resolvi me deitar logo, já que tinha tomado banho há apenas alguns minutos.
Motivo este que causou uma leve discussão com Kei e depois risadas, sobre quem era o mais sujo ali.

Flashback off

Ah claro, Keisuke Baji, capitão da 1a divisão da Toman, mas também conhecido como seu primo.
Após a morte de seus pais, você imediatamente foi morar com sua tia, mãe de Baji e irmã de sua mãe, já que sempre foram tão próximas.
Kei e você eram como unha e cutícula, desde o berço grudados.
Os laços se estreitaram ainda mais, ao notarem que o aspecto delinquente estava nos genes, o que provocava inúmeras dores de cabeça em sua tia e também longas horas de esporro, ao serem pegos no flagra, por diversas vezes, prestes a tacarem fogo em carros alheios.
Baji era meio burro, como você mesma dizia, o que provoca risadas intensas de sua parte, mas também um aperto fraternal do peito, ao refletir sobre o quão mal o mesmo ficou, ao ser comunicado sobre sua reprovação de série. A partir daí, como sempre teve muita facilidade para com os estudos, tomou para si a tarefa de ajudá-lo e incentivá-lo sempre. Afinal, por mais burro que fosse, ainda era seu primo. - riu sozinha maneando a cabeça.
A verdade é que ele não era burro, pelo contrário, uma das pessoas com a sagacidade mais feroz que já conheceu, pegava tudo no ar, até uma simples troca de olhares. Por esse motivo, ele sabia tudo o que acontecia dentro de você, por mais que tentasse esconder dele, para não preocupá-lo, o que resultava em muitas conversas entre vocês no telhado ou sessões de filmes com sorvetes de sua preferência. Kei era um menino de ouro.
Nesse meio tempo, Baji conheceu Chifuyu, seu colega de classe na turma nova, um menino surpreendentemente paciente e que dedicou-se tanto quanto você na empreitada de enfiar palavras e gramática na cabeça de Kei. Assim sendo, os três se tornaram muito próximos, tanto quanto você era de Ken, ou melhor dizendo, Draken, o menino da tatuagem de dragão, que por algum motivo sentiu que você precisava de seu apoio.
Ken era como o pai de todos, como você gostava de nomear.
Cuidava de Mikey, líder da Toman, como se fosse seu filho, ao ponto de carregá-lo nas costas. Em um desses dias, num rompante, você riu tanto que passou a chamá-lo de burro de carga, o que pra ele foi um teste de paciência, já que não poderia esmurrar sua protegida. Draken também era o coração do grupo, a voz sensata, que sempre tentava enfiar juízo na cabeça de Baji quando você mesma não conseguia, coisa pelo qual era grata.
O que você não contava para ninguém, nem mesmo para Kei, é que seus sentimentos por Ken eram bem maiores do que gratidão, mas você os escondia a sete chaves, com receio de estragar o vínculo forte que tinham.
Ken foi essencial naquele dia fatídico - pensou.

Flashback on

Ainda deitada, a sensação lhe assombrava, coisa que você queria que sumisse o mais rápido possível, pois amanhã seria um dia cheio.
Na manhã seguinte, após seguir com sua linha de raciocínio, se direcionou ao banheiro para realizar sua higiene pessoal, trombando em Kei na metade do caminho.
Ele soltou um resmungo, com as presas pra fora e foi até a cozinha, provavelmente para preparar algo para comerem, já que sua tia trabalhava cedo.
Após realizar sua higiene, se direcionou até a cozinha onde Kei estava, como previsto, fazendo ovos e torradas para vocês.
- Bom dia, Kei. - você saudou.
- Bom dia, passarinho.
- Até quando você vai continuar com esse apelido ridículo? Meu cabelo já está penteado, Keisuke. - você o olhou com reprovação.
- É uma honra e uma missão que eu cumpro com sucesso, sabe? Te irritar a essa hora da manhã - ele sorriu mostrando as presas - Agora coma, porque tenho que ir até o Mikey resolver umas paradas da Toman.
- Sem chances de me contar o que é? - você tentou uma última vez.
Ele negou com a cabeça.
- Sabe que não te quero metida com essas coisas ainda, quem sabe um pouco mais pra frente, quando a poeira baixar, você entre pra minha divisão.
Você suspirou - se recordando que os meninos estavam com problemas com outras gangues, mas você não estava totalmente por dentro do assunto.
- Ok Kei - você respondeu - Mesmo podendo chutar a sua bunda e a de Chifuyu com uma mão nas costas, eu espero o que você achar melhor, estou ocupada mesmo com as provas finais da faculdade - resmungou - Esse período tá arrancando minha pele.
- Vê se toma cuidado ok? - prosseguiu - Não quero te ver arrebentado por aqui e muito menos tendo que ouvir o Ken reclamar sobre como você não se controla, vê se toma juízo.
- Pode deixar, maninha - você sorriu pelo jeito como ele te chamou. - Vou lá que já deu a hora, estude bastante, quero ser o primeiro na sua colação para te aplaudir e quando eu voltar, vamos fazer mais uma das nossas sessões. Te amo.
- Te amo mais. - você se levantou para lavar a louça.
Kei te deu um beijo na testa e saiu, até você ouvir o ronco familiar da moto se distanciando.
Mal sabia você, que nenhuma daquelas palavras iriam se concretizar. Kei não voltou para casa, morrendo numa briga de gangue no dia 31 de outubro. Desde então, você nunca mais foi a mesma, afinal, uma parte sua morreu junto.

Quem poderia imaginar? - Ken RyugujiOnde histórias criam vida. Descubra agora