Cap. 1 - "Talvez o meu maior castigo foi crescer"

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4 de novembro de 2022, Londres

"E meu coração cansado insiste em pensar em você".

Tolice, eu acho. A ponta azul de minha caneta batia contra o caderno, deixando bolinhas pela folha de mais uma de minhas cartas. Se eu fosse mais um pouco criativa, com certeza faria alguns desenhos para enfeitar aquele papel; ignorando as minhas péssimas habilidades para rabiscos, é claro.

Escrever cartas era um tratamento psicológico que eu mesma fiz o laudo. Sem endereço, e até mesmo sem envelope, nunca irei entregá-las para seus destinatários; seria um suicídio ao meu orgulho e dignidade.

A luz do Sol iluminava completamente meu quarto quando me dei conta, me tirando dos meus pensamentos vazios. Se eu vivesse em 1813 e nos livros da Jane Austen, este começo de 4 de novembro estaria iniciando a temporada londrina, onde as mães desesperadas tentavam arranjar casamentos para suas filhas com roupas extravagantes. A minha mãe, Brianna, com certeza reprovaria minhas olheiras, cabelo bagunçado, falta de humor e o fato de não ter dormido essa noite. E depois de três temporadas sem um marido, eu estaria fadada à uma vergonha total para mim e para a minha família. Afinal, o que seria de uma jovem sem um homem?

Admito que um de meus sonhos é o casamento, além da possível família que ele acompanha; mas nunca me submeteria à um homem por tão pouco! Se eu fosse uma dessas moças dos séculos passados, estaria interessada, principalmente, em me casar por amor e devoção mutua.

Uma crise de tosse forte interrompeu meus pensamentos; de novo. Levei minha destra até o peito, onde meu coração estava mais acelerado do que o normal, já a outra mão escondia minha boca, como um movimento de reflexo. "Olhe para cima" um conselho de meu pai, Sidney, que foi me dado quando essas crises começaram. Eram úteis, já que sempre cessavam as tosses; desta vez, não foi diferente.

Com um esforço além do que costumo fazer, me levantei e olhei pela janela, contemplando a cidade coberta de vermelho, amarelo e marrom, tons tão característicos do outono. Naquele dia, a previsão de chuva era média, e eu duvidava muito de que iria chover com um Sol tão forte como o que atravessava o vidro.

Estava quase dormindo sentada quando balancei a cabeça, evitando o meu corpo de deitar na cama novamente. Não queria enfrentar aquele dia, não só a minha mente, mas a Zarinna em geral estava exausta. Até mesmo respirar estava pesado; culpei a minha pressão baixa pela minha visão turva e reuni forças para me levantar.

O chão estava congelante, tanto que rapidamente fui para meu carpete felpudo. Pela primeira vez desde que acordei, o relógio posto ao lado de minha cama foi o meu foco; eu tinha 15 minutos para me arrumar, ou chegaria atrasada no colégio. Ainda temendo o frio da superfície de meu quarto, fui até meu guarda roupas arrastando o tapete comigo; era melhor do que lidar com os arrepios que faziam meu coração doer.

Arrepios. Me lembravam a época em que eu me sentava na janela, vislumbrando as duas estrelas mais famosas de Londres e acreditando que, em algum momento, o garoto de cabelos de fogo apareceria e me levaria para uma Terra Mágica. Eram horas a fio, sentindo o ar gélido do décimo andar e mesmo com blusa de frio, todo o meu corpo estremecia.

Talvez o meu maior castigo foi crescer, porque quando crescemos, a magia tão nítida na infância se torna passado. Ou então, é ainda ter resquícios de fé mesmo depois de ver a tragédia que o mundo se tornou.

Coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha, parando de encarar a minha janela e abrindo o guarda-roupas. Como sempre, meu uniforme azul estava pendurado em dos cabides e perfeitamente passado, o tirei dali e o vesti rapidamente. Agradeci aos deuses por ter tomado um banho na noite anterior antes de ir para a cama, já que ao me olhar no espelho, meu cabelo estava no lugar e não para cima, se assemelhando a um ninho, como costumava estar.

É comum as garotas da minha idade se maquiarem de forma exagerada para ir à escola, mas o máximo que eu conseguia fazer naqueles 5 minutos era decorar os meus cílios com um rímel. Destacavam os meus olhos verdes como esmeralda, ressaltando o meu rosto visivelmente cansado.

Um sorriso para mim mesma me fez calçar os tênis com mais calma, já que o Uber programado no meu celular estava atrasado; se ele demorasse demais, poderia usar isso como desculpa em vez de falar que não queria ir ao colégio por indisposição. O chão já não parecia tão frio, então fui ao banheiro e usei a pasta com sabor de morango para escovar os dentes. Meu subconsciente torcia para que uma crise de tosse não começasse para que o meu uniforme continuasse limpo, e acho que prezei tanto por isso que não aconteceu.

Meu celular tocou enquanto eu secava minha boca, indicando que o carro já estava na porta. Peguei minha mochila e coloquei nas costas, saindo do apartamento dos meus pais sem tomar o café da manhã que eles deixavam para mim antes de ir trabalhar. Eu não gosto de comer de manhã; aliás, de um tempo para cá, não estou gostando de comer hora alguma.

Eu costumava descer de escadas para me preparar e me "acordar" para o dia, mas meu corpo parecia não aguentar nem ficar em pé, quem dirá descer 10 andares de escadas. Fui de elevador, colocando na minha cabeça que eu estava apenas atrasada e precisava andar mais rápido para não perder o Uber. Não queria acreditar que, logo eu, a pessoa mais animada e disposta que conheci, não estava nem conseguindo puxar o ar.

Eu deveria ter pedido ajuda antes.

"O pessimismo é um câncer da alma."

- Augusto Cury






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⏰ Última atualização: Oct 10, 2021 ⏰

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