Capítulo 1

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Quando finalmente consegui chegar ao local da festa, eu estava quase morta. Eu estava usando meu melhor vestido, tinha gastado uma grana na maquiagem, mas andar aquele trecho a pé com meus saltos altíssimos não estava nos planos. Aquele inferno de calçamento de pedra do século XIX tinha me atrasado, me deixado cansada e suada, totalmente ao contrário de como eu deveria estar: bela, fresca e pontual. Um condescendente porteiro me deixou entrar, entendendo que aquela rua de pedras fechada para táxis não ajudava em nada. Somente carros credenciados eram admitidos, o que beneficiava apenas “certas” pessoas.
Passei quase despercebida pela entrada e segui para os banheiros. Felizmente ainda estava tudo vazio. Abri a bolsa e tirei um pacote de lenços umedecidos com os quais enxuguei o suor da testa e do pescoço e limpei meus pés. Depois retoquei a maquiagem e ajeitei o cabelo. Agora sim, perfeita. Dei uma última olhada de costas para o espelho e gostei do que vi. Meus cabelos estavam ótimos e as ondulações não tinham desmanchado com a longa caminhada, o vestido de cetim azul-escuro me caía como uma luva, e o decote nas costas, com fios de cetim arrematados por um broche prateado, era maravilhoso. Sorri para si mesma para me dar uma dose extra de coragem. Agora sim eu estava pronta para entrar.
Antes de sair do banheiro, aprumei meus ombros e ergui o queixo, e então peguei o corredor que me levaria ao grande salão onde um evento beneficente reunia os maiores empresários e personalidades da região. Como recém-contratada de uma rede de lojas, eu tinha que manter a elegância e o bom-gosto, porém, como detentora de uma dívida enorme e sem nenhuma credibilidade, eu tinha que levantar fundos de outra forma, por isso, depois da festa, eu tinha um compromisso bastante... peculiar.
Fiz tudo o que era esperado de minha função, e ao final de algumas horas, eu estava exausta. Meus pés doíam me impedindo de caminhar com elegância, e isso me preocupava. Pelos bastidores eu estava sendo observada, e meu próximo e rentável compromisso dependia de impressionar alguém durante aquele evento. Sim, seria um programa. Eu iria me encontrar com um homem que eu nunca tinha visto antes.
 Quando saí de minha cidade natal, não era bem isso o que eu tinha em mente. Eu era apenas a doce e sonhadora Catarina. Mas as grandes cidades têm algumas armadilhas fatais para moças ambiciosas. Eu tinha caído em uma delas.
Não, não valia a pena lamentar. Era tarde demais. Agora eu era Karen, a morena de 1,60m que podia ser comprada. Pelo menos, naquela noite. Eu preferia pensar no que estava por vir como um evento isolado, que podia ou não ser prazeroso. Eu esperava que fosse.
Meia-noite. Nesse horário, as coisas já estavam bem definidas. Um organizador do evento já me tinha abordado e indicado o local onde eu deveria esperar: uma das garagens exclusivas. Havia muitas, e assim eu não tinha como saber a quem pertencia o poderoso Mercedes prateado com motorista particular que me esperava.
Era uma noite bonita; quente mas não muito. Uma noite primaveril. O motorista, sério e profissional, grande como um touro, gentilmente abriu a porta do carro para que eu entrasse. Escondendo o temor de minha primeira vez naquilo, aceitei sua gentileza com a cabeça erguida. Não era o momento de ser tímida, pudica ou assustada, eu deixaria isso para quando o cliente chegasse, fosse ele quem fosse. Certos homens gostam de timidez, eu tinha ouvido dizer, e o melhor é que eu não estaria fingindo.
 Cruzei as pernas e conferi o resultado. A fenda do vestido deixava minha coxa à mostra, bem sexy. Abri a clutch prateada e me olhei no pequeno espelho; minha maquiagem ainda estava perfeita. Meus cabelos tinham desarrumado um pouco durante a festa, mas estavam ainda mais bonitos. Sorri de um canto. Eu estava tensa, mas o exterior ainda estava ótimo. Menos mal.
O motorista recebeu uma ligação e as portas foram travadas. Sem entender o que estava acontecendo, senti o veículo se mover e tomar a direção da saída.
Como que prevendo minha confusão, o motorista falou por sobre o ombro:
— Tenho ordens para levá-la a outro local. Logo chegaremos.
Apenas assenti, falsamente indiferente. Está certo, pensei, ele não quer ser visto saindo daqui comigo. No mínimo, um “cidadão de bem”, casado. Típico!
O carro deslizou velozmente pelas ruas movimentadas, depois tomou uma rodovia para fora da cidade. Finalmente ele entrou por um caminho arborizado, que logo se mostrou ser um condomínio de luxo. Eu não conhecia. Paramos diante de uma mansão retangular, suspensa sobre o terreno em declive, sustentada por grossas colunas circulares de concreto. Ela tinha vista para um lago. O terreno, cercado por muros altos, era imenso, gramado, pontuado por arbustos e fontes de luz. Um sonho de lugar.
Uma excitação crescente tomava conta de mim. A não ser que quem me esperasse dentro daquela casa fosse um ogro horrendo, aquela noite prometia ser interessante.
O motorista abriu a porta e eu saí do carro tentando não parecer uma turista encantada. Antes da hora H, aparentar profissionalismo e frieza, eu repetia. Aquilo seria apenas um trabalho. Um meio de pagar uma dívida e evitar mais um processo. A mansão maravilhosa era apenas um detalhe.
Com um gesto, o motorista me indicou uma grande porta entreaberta, três degraus de mármore branco acima. Tinha chegado a hora. Como uma diva prestes a entrar no palco, eu respirei fundo e dei os passos que faltavam de forma altiva. Estendi a mão até o puxador prateado brilhante e terminei de abrir a porta que me levaria a um novo momento da minha vida.
Dentro da mansão, porém, depois de alguns segundos de ofuscamento devido ao show de brilho e luzes, eu entrei em choque. Céus! Ou... inferno! Aquilo não podia estar acontecendo!
— Karen! — disse um homem moreno e bem-vestido, sentado numa poltrona em frente à porta. O sorriso em seu rosto bonito era cruel. — Ou seria... Catarina? Você é até bonitinha durante o dia, mas admito que ficou estonteante à noite. Está maquiada demais, é verdade, mas nada que um pouco de água e sabão não resolva.
— Henrique Falcão — murmurei entredentes. Tive vontade de atirar minha bolsa nele. O maldito!
— Sim, você me reconhece! Está surpresa? Você não deveria entrar e vir até mim ao invés de ficar aí na porta? É com essa cara feia que você atende seus clientes?
— Não tenho clientes. Por que você está fazendo isso?
Henrique se levantou e foi até mim, parando poucos centímetros à minha frente. Estendeu a mão e fechou a porta, depois pôs os dedos frios em minhas costas nuas, me fazendo estremecer.
— Eu contratei um serviço de acompanhante para esta noite. Espero receber exatamente o que pedi.
Eu estava petrificada e Henrique continuava a me olhar com sarcasmo e curiosidade. Passou o olhar por meus olhos, boca, ombros, e deteve-se em meus seios mal cobertos pelo cetim. Aparentemente discreto, o decote se tornava provocante quando visto de cima, de tão perto.
— O senhor...
— Não me chame de senhor, não estamos no escritório. A não ser que queira realmente. — Então ele fez um gesto de enfado. — Bom, eu não me importo. Chame de senhor, de mestre, do que quiser. Só faça direito o que veio fazer.
— De quem é essa casa?
— Não é da sua conta. — Novamente ele deu de ombros. — Que se dane! É dos meus pais. Mas eu estou sozinho essa noite.
Engoli em seco, num ponto entre a incredulidade e o desespero. A última coisa que eu pretendia era ser vista como uma prostituta por aquele homem. Ser usada como uma prostituta por aquele homem.
— Eu... Eu acho que cometi um erro.
Ele me encarou sarcasticamente.
— É mesmo? Tarde demais para pensar nisso. Eu paguei caro por esse momento e não posso ser tapeado. Quer que eu te exponha na rede de esquemas como a golpista que você é? Nem emprego como faxineira você vai conseguir depois disso, justamente por ser um trabalho digno.
— Não... Não é necessário. — Balancei a cabeça. Suspirei para espantar as lágrimas que já estavam a postos. Eu não queria chorar. Eu nunca fui de entregar os pontos e me acabar em lágrimas, mas eu estava tão cansada!
— Ótimo! Vamos tomar algo para relaxar antes de começar a festa?
— Eu disse... Eu avisei que não vou beber nem...
— Ok, ok! Tudo bem. A exigência é justa. Mas não vai querer nem uma água?
— Sim, eu... Mais tarde.
Eu estava fazendo um imenso esforço para me controlar. Alguma coisa estava errada. Aquele homem, apesar de ser um notável empresário e, consequentemente, um cliente em potencial, não estava na festa. Não estava na cidade. Ele não deveria nem estar no país! Mas que droga! Aquilo não deveria estar acontecendo.

A SecretáriaOnde histórias criam vida. Descubra agora