Em uma cotidiana tarde de terça-feira, lá estava eu, procrastinando e me questionando sobre o propósito de estarmos nesse mundo tão belo para uns e tão sombrio para outros. De repente, um silêncio ensurdecedor vem à tona e propaga-se ao meu entorno. Quando volto a ficar sóbria, escuto sussurros muito peculiares. Um eco distante me aconselhando dizendo: ''Não fuja de si mesma''. No momento, não entendi a razão de estar submetida a tal circunstância, então fui tomar banho, me arrumar para o trabalho como faço diariamente (ou deveria fazer). Assim que cheguei à redação da revista, meu colega de trabalho José me olhou com uma expressão intrigada e gargalhando me perguntou:
- Por que retornou ao trabalho? Sentiu saudades da bronca que levou hoje de manhã do poderoso chefão? Hahahaha
Eu, sem entender nada e impaciente respondi:
- Do que você está falando? Olha, com licença, mas vou trabalhar que ganho mais do que ficar aqui ouvindo suas asneiras e...
José me interrompe e diz:
- HELLO DARLING, por acaso bateu a cabeça e perdeu a memória? Você já cumpriu seu horário de trabalho por hoje, então por que está aqui?
Fiquei assustada por ter esquecido e mais assustada ainda por não sentir que naquele dia já estive na redação. Então, me despedi de José e fui para casa. No caminho de casa, fiquei pensando sobre tal situação um tanto quanto anormal e estranha e resolvi ligar para a Luci e assim que ela me atendeu logo contei sobre o acontecimento bizarro. Ela soltou gargalhadas e disse:
- Ester, é você mesma ou é outra Ester? Hahahahaha. Hoje almoçamos juntas e o assunto do almoço inteiro foi a bronca que você recebeu do seu chefe mulher! Ou vai me dizer que também esqueceu disso?
No momento me deu um gelo no coração, fiquei tão perplexa, tão abismada que desliguei na cara dela. Fechei os olhos, respirei fundo, contei até dez e fiquei me questionando sobre a hipótese de ter ficado louca, uma vez que a Luci é minha melhor amiga, sei diferenciar quando ela está falando sério ou zombando e jamais ela mentiria para mim.
Distraída em meus pensamentos, me dou conta que meu celular está tocando. É meu amigo Vinicius, sua voz parecia alegre, contente por algum acontecimento me disse:
- Ester, fiquei muito feliz por ter aceitado meu pedido de namoro e aliviado em saber que o sentimento era recíproco!
Eu extremamente confusa, sem entender nada, respondi:
- OI? Do que você está falando Vinicius?
Em seguida, ele me enviou várias fotos ao meu lado, com um buque e uma aliança no meu dedo. O problema é que aquela garota não sou eu! A semelhança era assombrosa, meu estômago revirou por inteiro, tive tonturas e vomitei até meu corpo dizer basta. Havia uma impostora se passando por mim, e por quê? Por que ela queria viver uma vida desgraçada como a minha? Sendo assim, resolvi tirar férias da minha própria vida e de mim mesma. Não tinha melhor momento para essa minha irmã gêmea perdida ter aparecido. Fiquei tão radiante de felicidade que resolvi abrir uma garrafa de vinho e gargalhar enquanto estou de férias por período indeterminado, enquanto a tonta da sósia está indo trabalhar e aturar as pessoas que convivem comigo. Quer dizer conviviam, pois nesse exato momento em diante um milagre me libertou delas e daquela vida miserável.
No dia seguinte decidi que iria fazer tudo o que eu não tinha tempo durante minha antiga vida. Dormir. Dormir, dormir e dormir, sem preocupações e estresse. Meu corpo clamava por um descanso eterno ou um coma eu me contentaria também.
Quando acordei do sono profundo, olhei no calendário e passaram-se três meses. Porém meu corpo e minha mente ainda estavam exaustos, ordenando que eu voltasse a dormir. Minha teimosia e curiosidade se sobressaíram e fui stalkear para saber como minha sósia estava vivendo minha vida. Impressionantemente, ela estava desfrutando daquela vida miserável. Pelo que pude perceber, ela foi promovida no trabalho, viajou para vários países, noivou com o meu amigo Vinicius e o pior de tudo, PUBLICOU MEU LIVRO! Fiquei revoltada, o nervoso me fez pegar um vaso para quebrar, mas não tive forças para segurá-lo. Quem essa impostora pensa que é para roubar meu posto? E ter a audácia de publicar o meu livro, esse era meu sonho! Ela não tem o direito de roubar e usufruir dos meus anseios!
A mesma voz do além ressurgiu:
- Ah minha querida, ela tem e usufruiu muito melhor que você!
- Quem está falando? Foi você que transformou minha vida em um caos não foi?
- Não importa quem eu sou. Eu apenas te concedi o que você tanto desejava, o livramento de sua própria vida.
- Mas eu não desejei que uma impostora realizasse os meus sonhos! Ela roubou meu lugar de destaque!
-Quem disse que é seu? O lugar de destaque é de quem tem valentia para ocupá-lo. O medo corrompe somente àqueles que permitem! Aprenda uma coisa: Se os nossos sonhos não assustam a gente é porque eles não são grandes o suficiente!
Não sabia o que dizer. Aquela voz do além literalmente calou minha boca com classe e maestria. Em três meses ou um ano, não importa o tempo decorrido, eu não teria coragem para publicar por medo do fracasso e julgamentos alheios. Naquele momento me senti tão diminuída, fracassada e estúpida por ter permitido e ainda glorificado por uma desconhecida ter roubado minha vida. Ela sim merece minha vida, está rendendo muito mais nas mãos dela do que nas minhas. Foi aí que eu percebi, minha vida não era miserável, eu que a tornei assim e eu tinha poder de transformá-la; cabe a nós a mudança que queremos ver no mundo e na nossa vida, porém eu escolhi o conformismo e estou pagando um preço muito caro.
- Voz do além, por que eu me sinto fraca e esgotada sendo que dormi por tanto tempo?
- Porque sua impostora está sugando sua energia para poder aproveitar a vida que era para ser vivida por você. Tem que detê-la! Não fuja de si mesma!
Eu precisava deter urgentemente essa mulher! Isso não pode continuar dessa maneira. Olhei no perfil do Instagram dela (o meu no caso) e vi que ela estava almoçando no Arturito com a minha amiga Luci. Fui até lá, esperei ela ir embora e assim que pude fiquei cara a cara com ela. Ela ria de mim, gargalhava sem parar e eu sem ver graça nenhuma ordenei:
- Devolva o que você me roubou! Você não tem o direito de enganar as pessoas que pertencem a minha vida. Vá embora monstro do inferno, volte de onde saiu!
- Ora, mas por que se eu estou me divertindo tanto? Você Ester, é um ser desprezível, uma fracassada! E não obstante uma mal-agradecida, cade meus agradecimentos por eu ter turbinado sua vida?
Eu não suportei ouvir aquilo e surtei, todos na rua estavam assustados em me ver naquele estado e inesperadamente Luci apareceu e assustada me perguntou o motivo de eu estar falando sozinha na rua. Além da impostora ser astuta, aquela desgraçada tinha o poder de ficar invisível para me fazer passar de louca. Luci desesperadamente estava ligando para uma clínica psiquiátrica, mas eu fugi correndo atrás da impostora e assim que a vi num beco, ela me disse:
- Ester, vejo que você está realmente arrependida. Porém não vou renunciar tão fácil assim... Quando você menos esperar...
Acordei com o coração acelerado a mil. Fui verificar para ver se realmente aquilo foi um sonho. Ufa, que alívio! Não existia impostora alguma que publicou meu livro e realizou meus sonhos! Eu estava perseverante e com muita motivação, antes eu não sabia o quanto era importante até me ver completamente excluída do mundo e do meu próprio mundo. Peguei um papel e uma caneta e deixei soltar minha imaginação.
Enquanto escrevia notei que tinha uma sombra estranha atrás da porta do meu quarto. Olhei bem e era a impostora! Cai da cadeira do tremendo susto que levei. Ela fitou o olhar em mim e disse:
- Estou te observando! Quando você menos esperar...
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Protagonismo em Jogo
Short StoryEster é uma mulher deprimida e conformada com a vida. Até que um evento inesperado muda totalmente sua vida, fazendo a personagem ter conflito com a própria identidade. E agora, como ela vai recuperar a si mesma?