—Tô com fome. Tom, já disse que tô com fome. Por que não paramos pra comer? Eu tô com fome!
Tom não aguentava mais ouvir a voz irritante de Rachel. Ela estava falando sem parar há duas horas, desde que haviam saído de casa. Ter uma meio-irmã de oito anos era um saco. Ter que fazer coisas junto com ela porque sua mãe te obrigava era ainda pior.
—Acampar é uma porcaria! A gente já passou por aqui, eu tenho certeza! Eu quero voltar pra casa, seu idiota!
—Cala a boca e anda, Rachel! — ele revirou os olhos — Quando encontrarmos os outros vamos comer.
—Mas eu quero comer agora!
—E eu quero ser um jedi. Mas eu não posso. Se não ficar quieta eu vou te amarrar numa árvore!
Ele desejava desesperadamente achar o lugar que seus amigos haviam marcado no mapa. Não queria admitir, mas a verdade é que já deviam ter chegado há cerca de meia hora. Estava escuro, eles estavam sozinhos e ele não queria causar pânico na irmã chata ao revelar o incrível fato de que estavam perdidos.
—Seus amigos são um bando de nerds chatos como você! Por que não podiam ter acampado no quintal de casa?
A mente de Tom transformou as lamentações de Rachel em um zumbido de fundo. Agora seu cérebro processava todas as possibilidades que tinham de sair dali. Ele pegou o celular. Sem sinal. Droga. O que havia em sua mochila que poderia ser útil? Lanterna extra. Pilhas para a lanterna extra. Saco de dormir. Uma muda de roupa. Alimentos com excesso de açúcar e gordura. Refrigerante para três dias. Água. Fósforos. Corda. Gancho. Bússola. Isso! Ele havia se lembrado de trazer a bússola! É claro que assim que a retirasse da bolsa Rachel descobriria a verdade. Ela jogaria na sua cara o quanto era burro e ele admitiria, no fundo, que ela estava certa. Mas ou era aquilo ou ser devorado por um urso... Será que ser devorado por um urso era assim tão ruim? Respirando fundo, ele parou. Rachel trombou em suas costas e caiu no chão.
—Pra um nerd você é muito burro! Me leva pra casa agora ou…
—Ou o quê? Vai chamar a mamãe? Porque eu não estou vendo ela por perto e se você não parar com isso a gente nunca mais vai ver! — disse rispidamente.
Os olhos dela se encheram de água. Ele havia exagerado. Ops.
—Escuta, Rachel, eu preciso da sua ajuda. A verdade é que eu… Hã… Eu acabei saindo um pouquinho da rota programada. Mas — ele acrescentou rapidamente ao notar que ela parecia cada vez mais a ponto de chorar — não se preocupe, porque eu tenho uma bússola! A gente vai sair daqui, ok? Você vai ser a… A co-navegadora! O que acha?
Ela franziu as sobrancelhas e pareceu refletir um pouco.
—E então vamos sair daqui pra sempre? Você promete?
—Prometo.
Ela assentiu, ainda com uma expressão séria no rosto.
—Mas você é o irmão mais chato do mundo.
—Tenho certeza de que você não conhece todos os irmãos do mundo pra dizer isso.
—Eu não preciso.
Eles se agacharam e Tom começou a mexer na bolsa. Havia coisas para sobreviver na floresta por uma semana. Com a lanterna era difícil encontrar o pequeno objeto que procuravam, mas com certeza estava ali. Ele nunca se enganava quando organizava algo. Evidentemente, aquele acampamento não fora ideia dele. Colocou de lado o que ia retirando da bolsa. Quando havia revirado absolutamente tudo encontrou a bússola dentro de um par de luvas.
—Aqui! — Tom levantou o objeto, sentindo-se vitorioso. Claro, ainda tinham que sair dali.
—A cidade fica para qual direção? — Rachel perguntou. — Eu aprendi os pontos cardeais na aula de Geografia. O ponteiro norte aponta para o norte geográfico, que é o sul magnético do planeta.
Tom ergueu uma sobrancelha. Depois ele é quem era o nerd.
—Certo. A cidade fica para o sul. Eu não tenho certeza de que sei usar isso, mas vamos tentar.
Ele olhou para a bússola, tentando parecer confiante. Mas é claro que não podia ser tão simples. Com ele nada nunca era tão simples. O objeto em sua mão estava inteiro e parecia em perfeito estado, exceto por um detalhe: o ponteiro não parava de girar. A mão do menino estava perfeitamente imóvel, mas o ponteiro da bússola girava como um brinquedo de parque de diversões, cada vez mais rápido.
—Tom, o que é isso? — Rachel perguntou, assustada.— Nunca vamos sair daqui, não é?
Ele realmente não podia responder a nenhuma das duas perguntas naquele momento. Estava tão assustado quanto ela. Balançou a cabeça negativamente.
—Eu… Eu não sei.
Rachel se levantou subitamente e começou a chorar.
—Nós vamos morrer aqui! Vamos morrer aqui e a culpa é sua! — e, dizendo isso, correu.
—Volta aqui sua idiota! — ele gritou e deixando tudo que estava na mochila para trás, exceto a bússola, que enfiou de qualquer jeito em um dos bolsos, correu atrás dela.
Tom correu por vários minutos. Não aguentava mais gritar o nome da irmã e seus pulmões doíam. Não queria nem pensar em toda a comida que havia abandonado, bem como a maior parte dos objetos que seriam necessários para sobreviverem ali minimamente até o dia seguinte. Era difícil alcançar Rachel, que era ágil e bem menor que ele, portanto podia passar por entre galhos e por lugares estreitos. Por fim, quando ele a alcançou, estavam em uma clareira minúscula. Ele segurou o braço dela com força e a forçou a se virar para ele.
—Para com isso!
—Eu não quero morrer, quero ir pra casa! — ela disse em um murmúrio quase ininteligível.
—Eu também quero. — e dizendo isso, a abraçou. — Mas temos que ficar juntos e pensar em um jeito de encontrar ajuda. Ei, olhe como o céu está lindo! — ele disse, numa tentativa de distraí-la.
De fato, ali, onde não havia nenhuma iluminação além das duas lanternas que carregavam, o universo parecia ter se aproximado para tocá-los. Podiam ver tantas estrelas que mal sabiam para onde olhar. Era de tirar o fôlego.
—Olha, Tom, uma estrela cadente! — Rachel disse admirada apontando para um pontinho que se movia no céu, momentaneamente esquecida do fato de que provavelmente não iriam para casa e de que iam morrer.
—Faça um pedido. Não é isso que dizem?
Ela fechou os olhos com força.
—Eu quero que apareça alguém para nos ajudar! Faça um também!
Tom sorriu e fechou os olhos. Ele mesmo não acreditava nessa bobagem, mas queria fazer a garotinha chata se sentir melhor.
—Tudo bem, mas não vou contar o que é.
—Aposto que vai pedir para a Brie ir ao baile com você!
Ele quase engasgou ao ouvir isso.
—O quê? Quem falou essa bobagem com você? Pare de falar besteiras, sua…
—Acho que a estrela está nos atendendo, Tom!
—Eu acho que ela vai levar um pouco de tempo pra isso!
—Não vai não, olha como ela está chegando perto! — a menina sorriu, animada. — Nós vamos para casa!
Tom olhou para cima apenas para constatar com pavor que, de fato, o corpo celeste estava chegando mais perto. Na verdade, parecia perigosamente perto, mas ninguém havia constatado nada vindo naquela direção… Era possível ser só uma ilusão de ótica e provavelmente aquela coisa passaria por eles e cairia em um lugar seguro. Ele olhou seu relógio de pulso. Eram onze e dezessete.
— Bem, não acho que vai chegar tão perto assim. Vamos tentar encontrar nossa bolsa.
Tom encarou o céu noturno mais uma vez. Era loucura, mas parecia cada vez mais perto, cada vez maior. Por vários minutos ele ficou ali, contemplando aquela luz, incapaz de se mover. Foi quando ele entendeu. Aquilo realmente ia cair ali por perto e não havia nada a se fazer. Silenciosamente pediu para que não fosse na cidade. Na verdade, em nenhum lugar habitado, ou o estrago seria grande. Ele puxou Rachel de volta para a mata fechada. Não que aquilo fosse adiantar muito contra um meteoro, mas não queria assustá-la ainda mais. Tirou a bússola do bolso. Ela agora se movia tão freneticamente que o ponteiro se soltou e quebrou o vidro. O som dos passos esmagando folhas secas era quase bem-vindo, assim ele não podia pensar demais. Não pode cair assim tão perto.
Mas a noite se iluminou. A luz era tão forte que fazia parecer dia. Ele puxou Rachel e começou a correr. Ele sabia que era inútil e que estariam ainda mais perdidos, mas ainda assim o impulso de fazer de tudo para sobreviver era mais forte. Ele correu e correu e correu, até que um estrondo sacudiu a terra e seus pés saíram do chão. Sua cabeça bateu contra algo duro e tudo ao redor girou. Havia alguém que ele precisava encontrar. Quem era mesmo? Incapaz de continuar consciente, Tom sentiu o mundo ao redor desaparecer em uma confusão que tornou tudo em escuridão.
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Teste
FantasiaEste é um teste do primeiro capítulo de uma história que comecei faz tempo.