• prólogo •

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Kyra detestava quando as coisas não saíam de acordo com o planejado.

Parada na porta do apartamento espaçoso na zona sul de São Paulo, ela suspirou, finalmente criando coragem para tocar a campainha e lidar sozinha com sua cliente mais difícil – algo para o qual não estava nem um pouco preparada hoje. A decoradora logo escuta o barulho de chaves do outro lado e, em menos de um minuto, a porta se abre revelando a nada simpática anfitriã, que já a recebe revirando os olhos.

Alexia Máximo.

"Achei que tinha se perdido no caminho pro elevador" diz, impaciente, e Kyra retribui o comentário com um sorriso forçado.

Há pouco mais de um mês, Luna havia dito que uma amiga estava precisando de uma decoradora para o seu novo apartamento, e que a havia indicado. Ela se prontificou a ir pelo menos na primeira reunião para apresentar as duas e descreveu Alexia como sendo uma figura engraçada, excêntrica e de bom coração.  Kyra só tinha identificado a segunda característica na atriz até o presente momento.

Tudo bem que as duas haviam começado com o pé esquerdo: Quando Kyra se esbarrou e derrubou café em Alexia na cafeteria que haviam marcado, antes de Luna chegar, ela não fazia ideia de que era ela a amiga em questão, pois o contrato havia sido fechado via e-mail. Logo ela, a atriz principal daquele musical que ela havia ido com Rafa e no qual tinha passado uma das maiores vergonhas... Bom, da sua vida era forte, pois ela já tinha pagado muito mico nessa vida. Mas das suas experiências em teatros com certeza foi uma das mais constrangedoras. E o pior é que Alexia lembrava de tudo. Quando Luna chegou, encontrando as duas discutindo tanto pelo café quanto pelo incidente com o celular no teatro, Kyra mal pôde acreditar que seu azar era tão grande assim.

Mas, claro, se tratando dela... Tinha que ser, não é?

Como o contrato já havia sido fechado e as duas se recusavam a dar o braço a torcer e reincidir, decidiram dar prosseguimento ao trabalho, mas sempre com Luna presente nas reuniões para agir como mediadora. Naquele dia em específico, no entanto, a mexicana tinha mandado uma mensagem avisando que houve um imprevisto com uma paciente e ela infelizmente não conseguiria chegar a tempo.

Agora Kyra teria que lidar com Alexia sozinha pelas próximas duas horas, aproximadamente. Maravilha.

"Boa tarde pra você também, Alexia."

"Boa tarde, Kyra" ela devolveu o sorriso forçado, dando espaço para que a decoradora entrasse no apartamento.

As duas se sentaram na mesa de jantar da sala onde Kyra abriu seu notebook e começou a apresentar as últimas alterações que havia feito no projeto, conforme Alexia havia requisitado. Mas, claro, ela sempre tinha que achar um defeito em tudo, ou um detalhe novo no qual não havia pensado antes, ou mudar de ideia pela quinquagésima vez sobre alguma coisa.

Ok, talvez Kyra estivesse exagerando um pouquinho. Mas Alexia era realmente muito detalhista e exigente, e ela podia jurar que, ás vezes, a atriz pedia certas alterações só de birra para lhe dar mais trabalho. Ela só não podia negar que a megera tinha bom gosto, pois o projeto estava ficando realmente incrível.

Uma pena que sempre fosse sinônimo de stress.

"Eu tinha dito que queria a parede bege, criatura. Não rosé."

"Você tinha dito rosé, eu tenho certeza absoluta! Até anotei, olha aqui" ela tenta, mostrando o bloco de notas, mas Alexia descarta o argumento com um aceno.

"Do jeito que você é atrapalhada, deve ter anotado errado. Eu tenho certeza que falei bege."

"Alexia não começa que..." Ela já ia se estressando, mas seu celular toca, interrompendo a discussão. Ela podia jurar que tinha posto no silencioso, mas aparentemente havia esquecido. Alexia, é claro, revira os olhos.

"Vai atender o contatinho no meio da reunião?" provoca.

"Pro seu governo, eu sou noiva, ok?" Kyra diz, fazendo questão de mostrar o enorme anel de noivado em seu dedo "E não, eu não vou..." ela começa e retrucar, já prestes a ignorar a chamada quando repara que a ligação é do México.

Ué. Do México? Será que tinha acontecido algo com o celular de Rafa e ele precisou ligar do hotel? Ou eles tinham ficado sem sinal por causa do furacão?

"Vai...?" Alexia questiona, aguardando o complemento, quando Kyra se levanta franzindo o cenho.

"Eu... vou pedir licença pra atender essa ligação porque pode ser importante."

Para sua surpresa a atriz não retruca, então ela se afasta alguns passos em direção a sala de estar para atender ao aparelho. "Alô? Rafa?"

"Alô, por gentileza... Srta. Kyra Romantini?" Uma voz feminina questiona do outro lado e Kyra imediatamente congela.

"É ela sim... Quem ta falando?"

"Boa tarde, srta. Romantini. Aqui quem fala é a Consulesa Adriana, representante brasileira aqui em Cancun. A srta. Está podendo falar? Está acompanhada?"

"Posso falar sim, o que aconteceu?! É sobre o Rafa?! Ele ta bem?!?!"

A Consulesa parece hesitar do outro lado da linha. "Eu... Infelizmente tenho más notícias."

O chão parece sumir e tudo parece abafado, desconexo. Como assim más notícias? Do que ela...?

"A srta. está ciente que houve um furacão nas imediações de Cancun ontem à noite, certo?"

"Sim, mas o Rafael estava no hotel! Ele me ligou, disse que estava em segurança, que estava tudo bem!" Ela fala, atropelando as palavras em desespero. "Disse que eu não precisava me preocupar, eu... O que aconteceu?!"

"...Infelizmente nós temos registros de que o sr. Rafael Guimarães saiu do hotel ontem a noite...."

"Não. O Rafa nunca faria isso." Kyra interrompe, nervosa "Ele é cuidadoso, responsável, ele..." ela sente a garganta travar e a vista fica embaçada "Porque ele sairia do hotel? Não faz sentido nenhum. Não. Vocês não estão confundindo? Hein?!"

Nesse momento Alexia aparece em sua frente, com uma expressão preocupada, mas Kyra mal da importância. Nada daquilo fazia sentido. Ela sequer estava preocupada com Rafa nesse furacão, ele havia garantido que estava 100% seguro no hotel. Era um dos melhores de Cancun, estrutura reforçada, estavam super acostumados a lidar com esse tipo de situação. E Rafael nunca se arriscaria daquele jeito. Aquilo tinha que ser um engano.

"Eu sinto muito" a Consulesa diz do outro lado da linha, com pesar "Mas temos motivos suficientes para acreditar que... Infelizmente o Rafael sofreu ferimentos graves durante a tempestade e... Não resistiu"

Ela prossegue falando algo sobre os documentos terem sido encontrados com ele e que um exame dentário seria feito para a confirmação de identidade, mas Kyra sequer escuta, deixando seu corpo cair no sofá em completo estado de choque.

Seu Rafael. Que ia casar com ela em menos de quatro meses. O futuro pai dos seus filhos, seu príncipe, seu noivo. Estava morto.

Tudo ao seu redor parece abafado e embaçado de repente, e Kyra se sente sufocada.

Rafael estava morto.

E então o mundo cai em completa escuridão.

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