Parte 1: O Desconcerto

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  Jiyeong ficou extasiada desde que a viu pela primeira vez. Ela estava em uma escada numa enorme sala branca quando aquela mulher apareceu, a convidando para seu grupo. E agora, novamente sobre uma escada, estava prestes a jogar contra ela. Aquela mulher alta estava sentada na sua frente, contando sobre seu pai, sua mãe e seu irmão. Jiyeong então perguntou o que ela faria com o dinheiro, e ela parecia ter importantes objetivos. Ela queria trazer a sua mãe da Coreia do Norte para unir a família, e depois de pensar mais um pouco, também decidiu que queria ir à Ilha de Jeju.

  Enquanto ela lhe contava seus planos, Jiyeong a observava, desde seu cabelo curto até as suas próprias mãos entrelaçadas uma na outra. Sem pensar direito, perguntou a aquela mulher: "vamos para Jeju juntas?".
 Ela virou e a olhou, e Jiyeong pôde ter outra percepção dos olhos dela. Antes pareciam ser frios, mas agora que já sabia sua história, notou uma enorme consternação em uma só pupila. Depois, reparou no que tinha acabado de perguntar. Não poderiam ir a Jeju juntas, pois uma delas não sairia viva. 
 Ela suspirou fundo. Enquanto não tinha ninguém e nenhum plano após o jogo, a mulher tinha pessoas que precisavam dela. E assim, ela pensou se sacrificar para que a mulher saísse viva.
— Vamos jogar um jogo fácil nos últimos minutos. — disse.
  Então, elas continuaram naquela escada, que ficava em um bairro temático no quarto round.

  Naquele silêncio entre ambas, Jiyeong continuou pensando interminavelmente em tudo que ela tinha lhe dito, e não havia um segundo que ela não desejasse vê-la sorrir com seus olhos pelo menos uma vez. Então, sob a sombra daquele desejo, tinha se lembrado de algo que precisava dar à ela muito antes, mas se esqueceu durante toda aquela conversa baseada em histórias fúnebres sobre sua vida na Coreia do Norte.

  Ela pôs uma de suas mãos no bolso, se levantou, desceu os três degraus que as afastava e se sentou ao lado dela, tão próxima que quase tocavam seus ombros. E a mulher, com seus olhos sérios, olhou confusa para Jiyeong. "Tenho algo para te devolver", diziam seus lábios.
  Temendo que o guarda com a máscara de triângulo notasse, Jiyeong foi tirando sua mão do bolso lentamente. O que ela queria devolver cabia facilmente em seu punho fechado, que apenas se abriu quando sentiu tocar a parte de trás da mão da norte coreana.
— Achei que você fosse querer de volta. — sussurrou, se referindo ao canivete. — Use ele bem.
  Ela queria vê-la sorrir pelo menos uma vez, e estava confiante que devolver a ela algo que nem mesmo deveria ter saído de seu lado fosse ajudar. No entanto, aquela corriqueira expressão de seriedade perdurou em seu rosto.
— Obrigada. — disse sem olhar em seus olhos, depois de ter guardado o canivete.
  Jiyeong não conseguiu o que queria, mas sem querer, acabou encontrando naquela mulher sardas que se estendiam por cada bochecha. Foi sua primeira vez reparando nelas, e aquilo foi o presente que substituiu o sorriso que ela tanto queria ver.
  A mulher, então, percebeu rapidamente como os olhos da garota caminhavam sobre seu rosto. Geralmente, ela teria perguntado "o que está olhando?" com uma entonação mordaz, mas daquela vez, ela não disse nada — porque era a Jiyeong.

***

  Os números do cronograma estavam cada vez menores quando a garota decidiu que era o momento de jogar. Ambas foram para uma das vielas esguias do bairro temático e pararam em frente a uma parede. Jiyeong já havia decidido o jogo e suas regras: quem jogasse a bolinha de gude mais próxima da parede, venceria.
  Elas já estavam com as bolinhas em mãos quando a mulher disse de repente:
— Saebyeok. — e a garota a olhou. — Meu nome é Kang Saebyeok.
  A primeira e única partida foi iniciada por Kang. Aos poucos, os minutos destacados no cronograma iam diminuindo junto das bolinhas de gude que sobravam, e a última, cujo determinaria quem ficava e quem morria, foi erguida pela mão de Jiyeong.
  Ela deu um passo à frente da mulher, se agachou um pouco e encarou a pequena forma redonda. Jiyeong não jogou a bola, ela a soltou friamente no chão. Aquela foi sua jogada final.

  Quando ergueu seu corpo e se virou para Saebyeok, viu a enorme consternação que transbordava em uma só pupila dar lugar a uma enxurrada de exaspero.
  A mulher se revoltou e disse para ela jogar mais uma vez. A garota então insistiu que aquela foi sua última jogada. Kang sentiu que estava à beira do frenesi. Ela agarrou de mãos cheias o casaco verde de Jiyeong e a empurrou contra a parede, dizendo com altivez: "Para de se fazer de boazinha e joga de novo!", frase que seguida do silêncio, permitiu que a garota sublevasse seu peito em um longo suspiro e começasse a dizer tudo aquilo que, não só era o que ela pensava, mas que também era a verdade.
  Ela não tinha planos, não tinha objetivos e não tinha ideia do que faria caso ganhasse tanto dinheiro. Enquanto dizia essas coisas, a garota fez questão de fazer a mulher perceber que ela sim merecia ganhar aqueles quarenta e seis bilhões de wons.

  A norte coreana permitiu-se chorar pela primeira vez naquele lugar. As lágrimas que saíam de seus olhos lúgubres caíam e escorriam por suas bochechas. Era tarde demais quando Jiyeong finalmente tinha encontrado um objetivo para a vida: fazer Saebyeok sorrir.
  Os minutos no cronograma haviam se encerrado. Além daquele guarda empertigado próximo a elas, surgiu outro de máscara também triangular. Qualquer coisa que Kang quisesse dizer uma última vez para Jiyeong foi completamente embargada por suas emoções.
  Em poucos segundos, se virou e seguiu aquele outro guarda que a levava para aquele enorme portão.
— Kang Saebyeok! — a garota a chamou, engolindo suas lágrimas para que pudesse dizer em claro e bom tom. — Obrigado por jogar comigo.
  E cruelmente, foi dado o tiro.

  Saebyeok deu um pequeno pulo de susto. Repentinamente, sangue havia respingado em seu rosto e o guarda que estava levando-a para aquele portão caiu sobre sua própria poça de sangue. Se ela estava à beira do frenesi, Jang Deoksu já havia entrado em um quando perdeu o jogo para um de seus lacaios. Ele tinha apanhado todas as bolinhas de gude que estavam no chão e jogado em direção à um mascarado, que assim que baixou sua guarda, perdeu sua metralhadora.
— FILHOS DA PUTA! EU NÃO VOU MORRER!!
  Deoksu se esgoelava enraivecido, enquanto isso, atirava para todos que tentavam impedi-lo e para todas as direções — incluindo o teto.
  Sem se preocupar consigo, Saebyeok olhou para trás. Jiyeong estava vivíssima desde que o encarregado de lhe matar também tinha se alarmado com os tiros. No entanto, foram poucos segundos para que ele se conformasse com a situação e levantasse sua pistola em direção à cabeça dela. "Use ele bem", tinha dito Jiyeong em relação ao canivete. A norte coreana não sabia o que estava fazendo, nunca nem mesmo havia premeditado aquela possibilidade: a de correr até aquele mascarado e levantar seu braço armado para cima. 
  O tiro que era para ter atravessado a cabeça de Jiyeong foi para o teto.

  Ambos caíram juntos no chão. O mascarado, por um infortúnio, acabou largando rapidamente sua pistola, que quando apanhada de volta do chão, mirou para a testa de Saebyeok. A mulher, que estava sobre o seu corpo, empurrou seu braço contra o chão, e o tiro que era para ela acertou a perna de outro mascarado numa esquina longínqua; e este mascarado, cujo se virou, acabou achando que outro mascarado que estava próximo a ele havia atirado. Aquele que foi acertado na perna levantou sua arma contra o seu colega próximo, que confuso, sublevou rapidamente a sua metralhadora e atirou nele para que não morresse. Enquanto isso, outro mascarado que havia surgido atrás daquele que havia atirado contra o seu colega achou que era ele quem estava atirando freneticamente pelo ar, então, também ergueu sua metralhadora e atirou contra ele, que se escondeu atrás de uma parede e começou a travar uma guerra de tiro contra aquele outro que tentava lhe matar — e em seguida, com tantos outros que passaram a achar que ele era um traidor prestes a arruinar o jogo.

  Os jogadores cujo haviam perdido para suas duplas se deleitavam naquela situação, pois era a chance imperdível de matar, trapacear ou enganar para vencer.
  Enquanto isso, perdurava a luta desvantajosa entre Saebyeok e o mascarado. Entre tantas idas e vindas de golpes, houve um momento que ele finalmente conseguiu estar sobre o corpo dela, com a pistola encostada em sua testa. A mulher, por sua vez, prestes a ver o gatilho puxar contra si mesma, tirou o canivete de seu bolso e o enterrou no pescoço do homem.
  Tão vermelho quanto o macacão, as gotas rubras escorriam pelo seu corpo cada vez mais, e quando ela tirou o canivete, o sangue começou a jorrar no chão e nas paredes. Kang tirou três segundos para respirar e pensar no que tinha acabado de fazer. Depois, se levantou do chão. Mas e então, onde estava Jiyeong?

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⏰ Última atualização: Oct 05, 2021 ⏰

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