Três

80 5 2
                                    

Clarke

   Como eu consegui descer aquelas escadas sem me matar é algo que nunca vou entender. Corri de lá como se estivesse pegando fogo, deixando a Srtª Woods sozinha na escadaria com o queixo caído, as roupas desalinhadas e o cabelo assanhado, como se ela tivesse sofrido um ataque.
   Passando direto pela cafeteria do 14° andar e pulando o último pavimento com um só movimento – tarefa nada fácil com esses sapatos –, abri a porta de metal e me encostei na parede, arfando. O que foi que acabou de acontecer? Eu transei com minha chefe na escada? Tomei fôlego e coloquei as mãos na frente da boca. Eu tinha mandado ela fazer isso? Oh, Deus. O que há de errado comigo?
   Atordoada, arrastei meu corpo pela parede e subi alguns lances de escada até o banheiro mais próximo. Olhei rapidamente para ter certeza que não havia ninguém ali, então fechei o trinco na porta principal. Ao me aproximar do espelho, estremeci. Parecia que eu tinha passado por uma centrífuga e depois sido posta para secar. Meu cabelo estava um pesadelo. Todas as minhas ondas, que penteei com tanto cuidado, estavam agora completamente embaraçadas. Aparentemente, a Srtª Woods gostava do meu cabelo solto. Eu precisava me lembrar disso.
   Espere. O quê?! De onde eu tinha tirado isso? Eu certamente não precisava me lembrar disso. Soquei a pia e me aproximei para medir o estrago.
   Meus lábios estavam inchados, minha maquiagem estava borrada. Meu vestido estava esticado, praticamente pendurado no meu corpo, e mais uma vez eu estava sem calcinha.
   Filha. Da. Puta. Era a segunda calcinha. O que ela fazia com elas, afinal de contas?
   – Oh, Deus – eu disse, entrando em pânico. Será que a primeira calcinha ficou jogada na sala de conferência?
   Será que ela lembrou de jogar fora? Eu deveria perguntar, só para ter certeza. Mas não. Eu não lhe daria a satisfação de sequer reconhecer essa... essa... o que era isso?
  Balancei a cabeça, esfregando o rosto com as mãos. Deus, eu armara uma imensa confusão. Quando cheguei ao trabalho naquela manhã, eu tinha um plano. Iria entrar lá, jogar o recibo naquela rostinho bonito e mandar ela enfiar no cu. Mas acontece que ela estava tão sexy naquele terninho preto, e o cabelo todo arrumado como se estivesse gritando "Transe comigo", que eu simplesmente perdi qualquer pensamento coerente. Patético. O que essa mulher tinha que transformava meu cérebro em gelaia e molhava minha calcinha inteira?
   Isso não era bom. Como eu conseguiria encará-lá sem ficar imaginando ela pelada? Certo, bom, não pelada em si. Tecnicamente, eu ainda não a vira completamente nua, mas o que vira já era o suficiente para causar um arrepio por todo o meu corpo.
   Oh, não. Eu acabei de usar a palavra "ainda"?
   Eu poderia pedir demissão. Pensei nisso por um instante, mas não gostei da maneira como me senti. Eu amava meu trabalho, e a Srtª Woods podia ser a maior babaca do mundo, mas eu conseguira lidar com isso por nove meses e – com exceção das últimas 24 horas – sabia controlá-la como ninguém. E, por mais que odiasse admitir, eu adorava assisti-lá trabalhando. Ela era um cretina porque era intensamente impaciente e ao mesmo tempo obcecada pela perfeição; ela esperava de todos o mesmo padrão que mantinha para si mesma e não aceitava nada menos do que o melhor de cada um. Mesmo que nem sempre gostasse de seus métodos, eu tinha de admitir que sempre gostei de sua expectativa de que eu trabalharia mais duro, melhor e de que eu faria qualquer coisa para conseguir resultados. Ela realmente era um gênio do mundo do marketing, sua família inteira era. E isso era a outra coisa a se considerar. Sua família. Meu pai morava em Dakota do Norte e, quando eu começara como recepcionista ainda na faculdade, Gustus Woods fora muito bondoso comigo. Todos elas foram. A irmã de Lexa, Anya, era outra executiva sênior e a mulher mais legal que eu já conhecera. Eu amava todos ali, então pedir demissão simplesmente não era uma opção.
   O problema maior era minha bolsa de estágio. Eu precisava apresentar minha experiência no mundo real para a banca da JT Miller antes de completar meu MBA, e queria que minha tese fosse espetacular. Foi por isso que fiquei na WMG: Lexa Woods me ofereceu a conta da Papadakis – o plano de marketing da empreiteira multibilionária –, o que era maior do que o projeto de qualquer colega meu. Se eu saísse agora, quatro meses não seriam suficientes para começar em outro lugar e arrumar algo decente para apresentar... ou seriam? Não. Definitivamente eu não poderia deixar a Woods Media.
  Com isso decidido, eu sabia que precisava de um plano de ação. Precisava manter minha postura profissional e me certificar de que a Srtª Woods e eu nunca, jamais, cairíamos em tentação, mesmo que fosse de longe a transa mais quente e intensa de toda a minha vida... eu teria de ser forte, mesmo com ela me impedindo de gozar. Maldita.
   Eu era uma mulher forte e independente. Tinha uma carreira para construir e trabalhara ridiculamente duro para chegar onde estava. Minha mente e meu corpo não se guiam pela luxúria. Eu precisava apenas lembrar do quão estúpida ela era. Ela era uma sedutora barata, arrogante, chauvinista, que pensava que todo mundo ao seu redor era idiota.
   Sorri para mim mesma no espelho e percorri minha coleção de memórias recentes de Lexa Woods.
   "Eu agradeço que você tenha preparado café para mim ao fazer o seu próprio, Srtª Griffin, mas, se eu quisesse lama para beber, eu teria enterrado minha xícara no jardim hoje de manhã."
   "Se você for insistir em castigar o teclado como se estivesse caçando ratos na sua cidadezinha, Srtª Griffin, eu peço que mantenha a porta entre as nossas salas fechada."
   "Você tem alguma boa razão para demorar tanto com o rascunho dos contratos? Seu hábito de ficar sonhando acordada com os garotos da fazenda está tomando todo seu tempo?"
   Inferno, na verdade, isso seria mais fácil do que eu pensava.
   Sentindo uma nova brisa de determinação, ajeitei meu vestido, arrumei o cabelo e marchei, sem calcinha e confiante, para fora do banheiro. Rapidamente peguei o café que tinha ido buscar e me dirigi para minha sala, evitando as escadas.
   Abri a sala e entrei. A porta para o escritório da Srtª Woods estava fechada e não havia barulho nenhum lá dentro. Talvez ela tivesse saído. Só se eu estivesse com sorte. Sentei em minha cadeira, peguei minha nécessaire na gaveta e arrumei a maquiagem antes de voltar a trabalhar. A última coisa que eu queria era dar de cara com ela, mas, como eu não pretendia me demitir, em algum momento teria de enfrentar a situação. Quando olhei para o calendário, lembrei que na segunda-feira a Srtª Woods teria uma apresentação para os outros executivos. Estremeci quando percebi que isso significava que eu teria de falar com ela ainda naquela dia para preparar o material. Ela também tinha uma convenção em San Diego no mês seguinte, o que significava que eu não só teria de ficar no mesmo hotel que ela, mas também no avião, no carro da empresa e em qualquer reunião que surgisse. Não, imagina, não haveria constrangimento algum.
   Durante a hora seguinte, fiquei olhando de tempos em tempos para sua porta. E,cada vez que fazia isso, meu estômago começava a embrulhar. Isso era ridículo! O que havia de errado comigo? Fechei o arquivo que, sem sucesso, estava tentando ler e baixei a cabeça nas minhas mãos no mesmo instante em que ouvi a porta se abrindo.
   A Srtª Woods saiu de lá, sem olhar nos meus olhos. Ela tinha arrumado as roupas, tinha uma maleta na mão, mas o cabelo ainda estava bagunçado.
   – Estou encerrando por hoje – ela disse, estranhamente calma. – Cancela meus compromissos e faça os ajustes necessários.
   – Srtª Woods – eu disse, fazendo-a parar com a mão na maçaneta –, por favor, não se esqueça que a senhora tem uma apresentação para o comitê executivo na segunda-feira às dez – falei, com ela de costas para mim. Ela ficou parada como uma estátua, os músculos tensos.
   – Se a senhora preferir, eu posso preparar as planilhas, os portfólios e os slides na sala de conferência às nove e meia.–
   Certo, eu até que estava gostando disso. Não havia nada na postura dela que dissesse "estou confortável". Ela assentiu brevemente e começou a sair, quando eu a impedi novamente.
   – E, Srtª Woods? – acrescentei suavemente. – Preciso da sua assinatura nesses relatórios de despesas antes que o senhora vá embora.
   Seus ombros caíram e ela expirou com força. Girou nos calcanhares para se dirigir até minha mesa e, ainda sem encontrar meus olhos, se abaixou e percorreu os papéis com o olhar, procurando o lugar das assinaturas. Coloquei uma caneta na mesa.
   – Por favor, assine na linha indicada, senhora.–
   Ela odiava ouvir uma ordem para fazer algo que já estava fazendo, e eu tive de conter uma risada. Pegando a caneta com raiva, ela vagarosamente levantou o queixo, trazendo seus olhos verdes ao mesmo nível dos meus. Nós nos encaramos por uma eternidade, sem que nenhuma das duas desviasse o olhar. Por um breve momento, eu senti uma vontade irresistível de me inclinar, chupar seu lábio inferior e implorar que ela me tocasse.
   – Não repasse minhas ligações – ela disse, ríspida, assinando rapidamente a última página e jogando a caneta na minha mesa. – Se acontecer uma emergência, ligue para Anya .
   – Cretina – murmurei para mim mesma enquanto ela desaparecia.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Oct 14, 2021 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Cretina IrresistívelOnde histórias criam vida. Descubra agora