Talvez

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Talvez eu esteja apenas confortável em estar triste. O caos ruindo tudo a minha volta. A pele sendo arrancada do meu corpo, deixando crateras a céu aberto. Sentada na cama, observando a vela arder enquanto a pequena e trêmula chama flamejante desobscurecia o pequeno espaço.

Pensamentos rondam-me em espiral e eu só tenho a mim mesma esta noite, por ventura do acaso. Gostaria que pudessem desvendar-me, que lessem o emaranhado de parágrafos aqui dentro. Assim eu não perderia o tempo que me resta tentando fazê-los se compadecer pela minha dor. Sequer entendo-a. Os gritos surdos de desespero eram inaudíveis naquela região há muito tempo, mais do que sequer eu pudesse imaginar.

Os estranhos que moram ao lado parecem felizes demais para notar que aqui jaz outro alguém. Mamãe costumava cantar a mesma canção de ninar que ressurge a cada entardecer, logo após a comida noturna e vaza pelas janelas alheias. Ela adorava. Algumas partes da letra ainda soavam confusas. "Você é meu raio de Sol". Que lugar seria aquele cujos sonhos se tornam realidade? Outrora vira estas mesmas palavras em algum livro de poesia empoeirado que encontrava, mas desconhecia a exatidão precisa do significado. Se fechasse os olhos, ainda seria possível escutar a voz aveludada da sua amada mãe cantarolando baixinho para que ninguém além das duas ouvisse. Mas aquela lembrança logo se dissipava, pois sua atenção tinha de estar dividida entre a porta e a minúscula abertura.

A visão é estreita e perigosa. Faziam exatamente cinquenta e duas horas que o buraco na parede havia sido concluído. O prego estava guardado dentro da espuma do fino colchão e ela cruzava os dedos para que sua mais nova tentativa de visualizar aquele mundo não caísse por terra. Suas mãos doíam e estavam com marcas que indicavam esforço contínuo. Esperava que as grossas luvas de lã não fossem retiradas por ele, em súbita desconfiança.

As luzes da rua permaneciam acesas durante toda a noite, perguntava-se como a parafina demorava tanto para chegar ao fim, quando a do seu quarto precisava ser trocada a cada escurecer. Algumas crianças brincavam no gramado ao lado com uma bola azul. Pensou em chamá-las mais uma vez, mas tinha certeza de que nada adiantaria. Para todos os estranhos, ela não existia. Vivia à sombra dos resquícios memoráveis da sua mãe que desapareceu sem mencionar que aquele abraço na manhã de inverno do seu décimo quinto aniversário era um adeus.

Com um sobressalto, um grito acabou escapando. A bola havia atingido de cheio o arbusto próximo a ela. A garotinha aproximou-se correndo e colocou-a embaixo do braço, sendo tomada pela curiosidade daquele som que seus tímpanos juravam ter escutado. Ela a observava com coração frenético pela expectativa de ser revelada ao mundo e ao mesmo tempo de ser punida pela desobediência. As mãos suadas e escorregadias dentro das luvas agarravam-se as suas próprias pernas, apertando-as com tanta força que as unhas crescidas ultrapassavam o tecido e rasgava a pele. Os cachos dourados da pequena balançavam em curiosidade acercando-se do praticamente invisível buraco, quando um cachorro corre em sua direção e a espanta:

– Theo! – acariciou a barriga do amigo peludo que latia sem parar e retornou ao grupo.

Quando se deu por convencida de que estava novamente segura em seu cativeiro, chorou copiosamente. Arranhões expostos em carne viva, o sangue escorrendo, o ar pesado, o cheiro de morte pairando ao seu redor, a escuridão assolando, a vela que não havia sido trocada queimando o seu final, o pavor de estar ali e a cautela do não estar mais. Tudo. Exatamente tudo doía ou se resumia a dor. Sentia que precisava seguir algum tipo de caminho, mesmo quando seu próprio universo concentrava-se entre os vinte e cinco metros quadrados no qual se encontra encolhida, junto do pequeno espaço perfurado. Uma cama, duas cadeiras, uma mesa quadrada, um vaso sanitário e chuveiro, singelos conhecidos. Talvez devesse tentar mais, buscar novas saídas e formas de sentir-se viva. Ninguém deveria estar satisfeito em estar numa realidade como aquela, não quando fora colocada sem permissão. Ninguém deveria estar confortável em estar triste. Apagada, violada e silenciada. Ninguém deveria contentar-se com tão pouco.

Meu nome é Chloe. O sobrenome eu desconheço. E estou entrando em estado de combustão.

N/a: Olá, meus amores! Vocês mandam, eu obedeço! Aqui está o primeiro capítulo de uma história original escrita um tempo atrás por mim, que agora tive a ideia de adaptar com o nosso casal preferido

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N/a: Olá, meus amores! Vocês mandam, eu obedeço! Aqui está o primeiro capítulo de uma história original escrita um tempo atrás por mim, que agora tive a ideia de adaptar com o nosso casal preferido. Me digam o que esperam a partir deste primeiro capítulo e aviso que amanhã estarei postando o próximo para que vocês não esperem mais do que o suficiente para saberem mais sobre a nossa Chloe aqui na fic. Estejam atentos para os avisos dados abaixo e sejam bem-vindos a mais uma aventura Deckerstar! Ahhh, a autora avisa que será preciso muitos lencinhos... ♥

AVISOS: A história irá conter cenas explícitas de violência física, psicológica, estupro e sexo em capítulos futuros ⚠️🔞



A Garota Que Não Existia - DeckerstarOnde histórias criam vida. Descubra agora