O menino

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Um menino encontrou uma pessoa.

Com essa pessoa o menino conheceu mares inexplorados, vales escuros, árvores altas, horizontes infinitos e possibilidades que a vida revelava por meio do outro. Entre toques, abraços, olhares, cheiros, momentos, sensações, o menino se deu conta que a pessoa sem querer virou Pessoa.

Todo dia o menino passava por jornadas incríveis, aventuras inexplicáveis e voltava para casa pensando: será que eu também sou Pessoa? Quando estavam juntos, porém, não importava. A vida se certificava de que os dois pudessem parecer viver em outra vida em suas peregrinações diárias.

Entretanto, a dúvida terrível se acumulava e logo a pergunta entalava na garganta: será que eu também sou Pessoa? Antes que tivesse a força para perguntar, a Pessoa encontrou uma outra pessoa e juntos seguiram em seus próprios caminhos inexplorados.

A distância corroia o menino. Agora era preciso compartilhar suas jornadas com outro. Algumas vezes não era chamado para as jornadas. Em outras, não se achava bem vindo. As perguntas agora se acumulavam: será que sou Pessoa? Ou será que já fui e não sou mais? Mas por que deixei de ser? Minhas aventuras não eram interessantes o suficiente? O que faltou?

A Pessoa cada vez mais velejava com sua pessoa para longe e em certo ponto não se via mais seu barco. O menino se sentou sozinho em casa com suas perguntas.

Um dia, porém, o barco voltou com os dois e atracou na casa do menino novamente. A Pessoa não era mais a mesma. As jornadas duravam menos, pois agora era preciso dividir, mas o menino ficava feliz podendo sentir os toques, cheiros e sensações novamente, mesmo que em menor quantidade. Entretanto, as dúvidas voltaram a lhe assolar fortemente.

Infelizmente, não poderia ser assim por muito tempo. O menino não se contentava mais com a dúvida, queria respostas. Não aceitava que pudesse sentir tamanho sentimento por tanto tempo e que a Pessoa não sentisse o mesmo. O cansaço e a exaustão das jornadas não eram nada perto da êxtase em estar junto da Pessoa. Agiam em perfeita comunhão, como se fossem feitos um para o outro, fluidez infinita e rara que o menino jamais havia sentido.

O menino tomou fôlego, coragem, e se dirigiu ao outro e disse: para você, eu sou Pessoa? A resposta negativa pesou em sua consciência. Como era possível ser tão por inteiro, se sentir tão a vontade e sentir tanta certeza em alguém que não o considerava Pessoa? O outro disse que um dia o menino havia sido, mas não era mais. O que o menino havia feito de errado? Havia faltado coragem? Será que mesmo assim ela teria sentido realmente o mesmo?

Com pesar o menino admitiu para si mesmo: eu realmente não sou Pessoa. Olhou para o outro tão especial e percebeu que teria que deixá-lo para que buscasse alguém que o recebesse da mesma forma que o menino recebeu alguém que não faria o mesmo. Por mais doloroso que fosse, era a vez do menino pegar seu barco e velejar para longe. Voltaria frequentemente para ter o gosto das aventuras que tinham e manteria contato sempre que pudesse, pois ainda sentia prazer imenso em estar perto do outro, mesmo que dessa vez uma dor irreparável estivesse presente em todas as jornadas.

O menino pensava: como um dia poderei achar outro alguém que sentirei esses toques, cheiros e sensações? Será que velejarei para o eterno e nunca encontrarei tal pessoa? E se encontrar, serei Pessoa para ela?

Porém, toda vez que o menino estava velejando para longe, olhava para trás e via a Pessoa seguindo seu caminho de volta para suas jornadas e sua maior pergunta sempre era: será que um dia você vai voltar a ser pessoa?

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⏰ Última atualização: Oct 15, 2021 ⏰

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