Parte 1.

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"Now we have nothing to lose,
Flames look beautiful if you forget what they can do.
If they only knew...
(...)
If the world falls to pieces,
At least, I'll be with you."
— If The World Falls Apart, Young Summer.

🦋

Há tempo para tudo.
Há tempo de nascer, há tempo de morrer. Tempo de matar, tempo de curar. Tempo de chorar, tempo de sorrir.

Meus braços estão pesados. Minha cabeça lateja e sinto gotas de água pelo meu rosto. Quando inalo o ar, meus pulmões doem e me contraio em resposta.
Tento abrir os olhos mas eles estão pesados.

Há tempo de nascer, há tempo de morrer. Tempo de matar, tempo de curar.

Quando eu era criança, ia visitar os meus avós em minha cidade natal e sempre encontrava meu avô sentado em sua cadeira de balanço, de frente para a janela e com uma Bíblia na mão. Eu corria escada acima, invadia seu quarto e me jogava em seus braços, ignorando completamente seu estado debilitado de saúde.
Vovô nunca me repreendeu, sempre me acolheu. Se custava muito de si aguentar minhas bobagens de criança eu nunca soube, porque nunca ouvi um comentário negativo sequer. Lembro-me da primeira vez em que perguntei o por quê dele andar para cima e para baixo com uma Bíblia. Vovô me respondeu que não existia livro melhor para ser lido; que ele meditava em suas palavras dia e noite, assim, sabia que estava próximo de Deus.
Vovô leu para mim naquele dia Eclesiastes 3.
Ha tempo de nascer, há tempo de morrer.
Tempo de matar, tempo de curar.
Tempo de matar, tempo de morrer.

As palavras e as memórias se embaralham em minha cabeça, fazendo com que a dor fique mais latejante. Os barulhos ao fundo, diversos bipes diferentes e cochichos fazem com que minha consciência volte ao presente.

— Alessia, consegue me ouvir? - uma voz ao fundo diz.
Faço que não.
— Por quanto tempo ela vai ficar assim? - escuto outra voz dizer.
— Ela está em choque. Leva tempo para se recuperar. Alessia, consegue me ouvir? - a primeira pessoa pergunta novamente.
Eu já fiz que não. Por que tantas perguntas?

Vovô cortava mechas do meu cabelo, quando o chiclete grudava e minha mãe não podia ver, porque eu comia chicletes escondido.
"Você sempre fazendo arte, menina." Ele me dizia.
Sorrio com a lembrança. Sinto saudade de um tempo onde minha única preocupação era descobrir qual versículo bíblico o vovô me ensinaria. Eu contava os dias, as semanas para poder voltar a minha cidade natal, encontrar meus primos e ver vovô, com sua Bíblia em sua cadeira de balanço.

— Ela está sorrindo.
— Alessia, você consegue me ouvir? Está nos ouvindo? - alguém diz bem perto das minhas orelhas. Me pergunto se essa pessoa sabe o quão desagradável é ouvir sons tao altos assim que acordamos.
— Gostaria de ver a tomografia dela. Ela não estava no acidente? Por que a roupa dela está cheia de sangue? - a mesma voz continua falando.
Acidente?

Quase custa toda a minha energia abrir os olhos. E no momento em que faço isso, me arrependo amargamente. Tem tanta luz nesse lugar que eu juro que fiquei cega quase instantaneamente.

— Graças a Deus! - alguém grita.
Acho que é minha mãe.
— Lessia, bebê. Como você se sente? - ela pergunta.
Olho para ela. Mamãe está diferente. Parece que envelheceu 20 anos em poucas horas. Seu rosto está vermelho, seu cabelo bagunçado e existem dois círculos roxos ao redor de seus olhos.
— Vamos dar um pouco de espaço à ela. - a outra voz diz.
Mudo meu olhar de mamãe para a outra pessoa, franzindo a testa. Ela sorri para mim.
— Olá, Alessia. Eu sou Rya, sua médica.
Minha médica?
Olho para mamãe. Mamãe segura minha mão.
— Ela já pode conversar? - uma terceira pessoa aparece, dessa vez, um homem.
— Não acredito que seja a melhor hora. - a médica diz.
— Nós não temos o dia todo. - o homem se aproxima. Mamãe aperta minha mão.
— Alessia, sei que esse não é o melhor momento e você está muito confusa com tudo, mas precisamos conversar com você. Você aceita depôr agora?
Depôr?
Olho para mamãe, que está chorando novamente.
— Depôr o que? - consigo dizer. Assim que as palavras saem da minha boca, fico surpresa com o quão rouca eu estou. A sensação é de que passei horas a fio gritando plenos pulmões, a sensação que tenho, é a de pura urgência. Não consigo entender porque me sinto tão confusa. Vasculho em minha cabeça peças para entender sobre o que estão falando, mas não consigo encontrar nada.

Há tempo para tudo.
Há tempo para nascer, há tempo para morrer.
Há tempo de plantar, há tempo de colher.
Há tempo de nascer, há tempo de morrer.

"Isabella, pare AGORA!" Eu consigo ouvir, mas o som não vem dessa sala.
"Isabella, por favor!"
Barulho de algo batendo. Um som alto. Estrondoso.
Não. Não, não, não.

— Contra o seu pai. - o policial diz. — Você pode depor contra o seu pai agora?

A vida depois de você.Onde histórias criam vida. Descubra agora