Me culpo. Das incertezas e das dores que causei. Não só a ele, como a mim mesmo.
Foram o estopim de tudo: meus próprios problemas e minha própria confusão.
Secundarista, o ano letivo havia começado quando o conheci.
Recordo-me melhor do que qualquer outra memória. Era logo no almoço. Estava sentado, lendo "Memórias de um cavalo" quando levantei levemente meu olho por cima do livro, e o vi de longe: cabelo ondulado moreno - o que não coindiz com sua atual situação - alta estatura, pele branca de doer a vista quando a luz batia, seus olhos escuros, mas que escondiam uma infinidade de segredos, sua jeans colada, que marcava mais do que deveria, e a camisa bege com o brasão da escola. Enfim: um menino radiante. Juro que quando o notei, tudo parecia que era minha primeira vez! Meu primeiro encontro com um anjo de Deus, meu primeiro encontro com o espaço, minha primeira ereção, primeiro toque, primeiro ranger de dente, e ali marcaria a minha primeira confusão que veio a acontecer de forma definitiva. E lá estava ele, o novato com seus mais novos discípulos que o seguiam fielmente. Quem o visse assim, pensaria que Luca era uma pessoa com muitos amigos, popular, com muitos seguidores e uma infinidade de razões para ser feliz e contente com a vida. Mal imaginariam a dor que aquele galã de série "high-school americano" estaria passando.
Eu já havia visto muitos vídeos de garotos se agarrando com outros pela internet, buscava no exterior uma resposta para aquilo que somente a eu mesmo caberia encontrar, dentro de mim. Procurava saber a razão por detrás desses meus impulsos por garotos, ou essa tara que eu sentia pelos mesmos quando no vestuário para as aulas de natação, por exemplo. Julguei fetiche. Julguei curiosidade. Julguei ser apenas uma fase. Julguei tudo e mais um pouco, menos que aqueles sentimentos e "impulsos" eram parte da pessoa que eu sou. O que me passara no fundamental, e que demonstrou vir mais forte, agora, no ensino médio, passei a entender apenas como uma confusão que saciaria logo, logo, afinal, eu sempre gostei de mulheres, e continuaria gostando, e isso era o que mais importava. Mas quando vi Luca, percebi que aquilo ia além. Meu coração batia mais forte, eu estava suando frio, me desmanchava nas idéias podres que logo me viam a mente, naqueles apenas cinco segundos que o vira passar pelo corredor que ligava o hall ao refeitório. Ele sequer havia notado minha presença, mas eu o notei. Notei o universo, notei o filtro mais belo da vida, o perfeito ideal da felicidade e paz que o mundo jamais descobriu.
Logo, baixei a cabeça, e fiquei martelando aquele novato na minha mente durante todo o restante do almoço, enquanto fingia ler, e durante as aulas que se decorreram pelo restante do dia. Pude conversar ainda com alguns colegas e tentar manter a aparência mesmo estando desolado e perdido com meus próprios sentimentos. Mas com a Joyce foi diferente. Viu-me de cabeça baixa, olhando ao nada, tendo devaneios, com uma vista extremamente cansada devido a confusão que se instalara dentro de mim, eu se quer havia notado sua já presença na minha sala. Estava na porta mas caminhou devagar até chegar em minha carteira. Levantei em um pulo, e então disfarçadamente fechei meu caderno que continha anotações até demais sobre aquele almoço. Então ela proferiu as primeiras palavras, que de costume são minhas:-O que te passa, Ruan? Você parece mal - perguntou com aquela cara expressiva de preocupação que ela faz quando sente que algo de muito errado está havendo.
Desvio o olhar do chão, olho em seus olhos e tudo o que consigo tirar da boca para dizer para ela é que eu estava muito cansado pelo dia.
Era fim do último tempo de aula e como de costume, ela sempre vem a minha sala buscar-me para irmos juntos à casa de um ou do outro.- Eu não acredito em você... aconteceu algo?
- Preciso de um tempo sozinho hoje, vou para casa direto. - respondo enquanto arrumo minha mochila e o sino da escola ecoa.
- Posso ir a sua casa com você, ou.. -
como se não tivesse ouvido o que eu acabara de dizer corto sua pergunta e respondo friamente, levantando meus olhos a ela e colocando a mochila nas costas:
- ...tempo sozinho hoje...
Nos despedimos com um beijo rápido, ela me olhava pesarosamente. Odiei tudo isso, mas precisava desse tempo sozinho, botar minha cabeça no lugar, e evitar quaisquer fingimentos recorrentes da minha parte. Já estavamos saindo da sala, e íamos seguir nossos rumos quando ela me chama pela última vez e diz, ainda que expressivamente triste e cansada:
- Eu te amo... fique bem, tá?
- Também te amo... - respondo dolorosamente e com um sentimento de culpa avassalador que chegava a ser notável.
Quando cheguei em casa, tomei uma ducha e fui ao meu quarto, a primeira coisa que fiz foi pegar meu diário e anotar detalhe por detalhe sobre meu dia, ou melhor, sobre ele! Foram longas linhas, que contavam três, quatro, cinco páginas, até eu me tocar que estava terrivelmente e inconscientemente traindo a Joyce e escrevendo sobre um menino - o que era ainda mais inadmissível do que a traição para mim. Rasguei as folhas, e as joguei fora, não podia aceitar isso, não podia aceitar nada disso, e ninguém aceitaria por mim. Eu estava só nesse dia, meu pai ainda estava no trabalho, então eu chorei ininterruptamente durante 1 hora, para ver se, enfim, achava nas lágrimas a resposta que eu dediquei tanto tempo na minha vida a procurar. Eu criei uma atração por aquele garoto, talvez uma paixão à primeira vista, disso eu sabia bem, mas não poderia admitir, e a minha racionalidade sempre foi superior ao meu coração amargo.
Dormi próximo à meia-noite. Sem atender meu telefone ou responder as inúmeras mensagens que ela havia me mandado naquela noite, mesmo eu as tendo visto chegarem, pois passei alguns minutos ainda stalkeando o Luca, que descobri não ser nem tão popular ou ter tantos seguidores como eu imaginara que tivesse. Pedi para segui-lo naquela noite, e não demoradamente ele aceitou. E assim descobri ainda mais coisas sobre aquele rapaz que cativara minha atenção.
Enfim, naquele dia, foi a primeira vez que me vi tão fora de mim e ao mesmo tempo tão eu mesmo.
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Tão eu mesmo.
Romance"Tão eu mesmo" é um romance e livro pessoal que narra o drama da vida de Ruan Esposito, um secundarista que busca se entender no auge das suas confusões externas, e a luta pela autoaceitação ao descobrir seus sentimentos pelo novato, já formando, Lu...